terça-feira, 6 de dezembro de 2011

o poeta & sua obra

Passou-se um ano.
Que tenho agora?
Passou-se um ano.

Um ano daquela vitória importante – um segundo lugar, mas muito importante; ser lido, pensado, investigado e premiado por poetas representativos no estado e fora dele, num festival tradicional e, ao menos ao ver dos poetas desta cidade, fundamental (pena o Poemará estar em muletas). Aconteceram algumas coisas, todas definidoras, e agora então vejo, o aprendizado do tempo. Lançarei pouco mais que uma dúzia de textos numa antologia, por uma editora paulista, conheci e ando conhecendo representantes da atual ‘geração’ da poesia do estado, construindo amizades, até participar de um café literário, com Bioque Mesito (os palestrantes andavam mais quentes que o ‘café’ itself...), participei. O público foi mínimo, mas, sei o que esperava. Poesia não é pra qualquer um, uma vez que os fatos poéticos são em certo nível outro tipo de verdade, um outro tipo de hedonismo. Mas, voltando, é verdade que sou mais poeta que há um ano, mais que há três e muito mais que há 10 anos, quando rimava canhestra e despropositadamente. Se sou mais poeta, que é ser poeta? É estar em dificuldade, atualmente; é ser humano e entregue, bêbado de consciência. Por isso poesia não é pra qualquer um. Nem deveria, não é? Arrematando, existe uma obra. Obra de verdade. Na gaveta.

Quem acompanha este espaço, desde fevereiro de 2009, deve ter percebido um post ou outro em que eu fale sobre esforços ansiosos por uma obra. Mesmo que não tenha sido claro, contarei rapidamente minha história com livros: a partir de 2003 já andava reunindo poemas para um livro, que obrigatoriamente teria de ser tão imaturo quanto eu era naquela época; houve tentativas semelhantes de 2005 a 2009, quando de fato imprimi em minha prática poética um conceito de obra. Em 2009 preparei dois livros: um com o hoje desagradável nome de Nastismos, e outro, intitulado Eikon. Ambos me pareciam demasiadamente impressionistas e automáticos-herméticos e de conveniência, isto é, a palavra que fazia conveniente a feitura dum poema, e não o que de fato sempre me despertou o desejo de escrever, a vida. Viver é que deveria reger o texto. Estes livros foram descartados? De certa forma, mas não os excluo de vez de meus feitos uma vez que proporcionaram amadurecimento da técnica, confortabilidade em expressar uma mensagem coerente o possível, porém sem abrir mão da poeticidade e das escolhas críticas do poeta com relação à forma, o tema, o vocabulário, o sentido etc. Após estes dois experimentos, veio o tu; assim mesmo, segunda pessoa do singular, e em minúsculas. Este terceiro esforço me lançou num intervalo. Continuava incomodado, nem sabia por quê, com algo nos textos que não os fazia identificáveis, possíveis de serem defendidos como meus textos. Desta última tentativa, interrompi escrever com propósitos nervosos por um livro. Relaxei. Desencantei. E o mais importante: questionei.

Questionei os textos, a literatura, o fazer poético, meu lugar no mundo, minha persona poética, minha função como poeta, a recepção, a crítica, os elogios, e, finalmente, what the fuck I’m gonna do with this? Aí, decidi viver um pouco. Manter a antenas alertas, e viver um verso de cada vez. Reconhecer processos de evolução. Cultivar o sentimento. Estudar. Ler poetas de lugares cuja poesia não é tão expressiva mundialmente, ou ler com atenção estes, que antes que meus tradicionais professores, são meus companheiros em labuta tão questionável, porém necessária. Parei. Enfim, gerindo conceitos, dúvidas, desejos, com o menos de blá blá blá e romanticismo da vida possível, cheguei à MINHA OBRA. Meu primeiro livro, com certeza. O livro que não há porquê em renegar. O livro que desejei e, ao modo dum filho (esse romanticismo da vida...), imperfeito ou não, é existente por um motivo maior. Quanto ao título, revelarei em breve, assim como vou comentá-lo ainda bastante, ao menos a quem acompanha este blog sem preconceitos ou academicismos, e sim, com certa curiosidade em entender, de modo quase simplista, os porquês da poesia e do poeta.

Ao fim quase forçado deste post, retomo certa ideia posta acima, sobre dificuldade. Poesia, no sentido mais intenso e verdadeiro (verdade são fatos inquestionáveis, ok?) da coisa não corresponde necessariamente à metáfora fácil, ao romantismo dulcíssimo de certos ignorantes, a desvios no sentido e objetividade capitalista e tecnocrata. Poesia se torna difícil quando em matéria, em física de códigos ou páginas, voz ou gestos, cores ou sons, e tudo quanto o mais os sentidos entenderem. Mesmo os não tão aparentes assim. Assim é que compreendo o que é poético daqui por diante, deste livro já feito ao vazio em que me encontro, já cansado, questionado, sem palavras, literalmente. Absolutamente, neste momento da vida, após escrever algo que, além de me orgulhar, transmite sentidos e sensações, de verdade; acima ou abaixo da inteligibilidade da expectativa alheia, absolutamente, a poesia se tornou difícil. Ser poeta é ser político, confidente, psicólogo, professor, pintor, performer, prostituto, náufrago etc. Consciente que sou holístico quando escrevo, re- ou velando uma forma ou sentido aqui e ali, só tenho certa consternação por quem não se permite, quem não vive certo excesso ou não saboreia uma restrição por certa comodidade em se relacionar com a linguagem mastigada de algumas prosas nem um pouco desafiadoras. Entretanto, todos convivemos, analógicos ou digitais. Espero que não calado para sempre, mas agora sei o que é UM POETA E SUA OBRA.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Cotidiano (de um poeta?), de Wesley Costa

Bem, este é o poema de Wesley Costa que mais gosto no iminente Acorde. É deliciosamente metafórico. É divertido. Confira-o aqui, com uma apreciação do também colega de labuta poética, e participante da antologia Acorde, Igor-Pablo. Confira e sinta-se à vontade a inferir sobre... ferir talvez.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

e o livro ACORDE vem aí...


Adoro este poema. Está no iminente Acorde
O poema fala sobre... Ah, como gostaria que alguém me dissesse que este poema diz, ou quer, ou pretende!
O poema nos espera. Poemas nos esperam. No mais,

O poeta é uma deformidade
Claudia Roquette-Pinto

E este é meu poema:
 
feito humano
finjo ritmos
que só gritam no escrito
só acendem no cantado
nunca me atingem
suplicam

és um escolhido

feito urbano
serpenteio rios vazios
chamo de lixo
o ídolo do extinto
situo meu corpo previsto
indivisível servido

projeto sombras no estio
altero brios
produzidos no frígido
colher do crítico
o que anula o mirado
sob seu próprio cio

até que
sendo cozido entornado
em vazio ainda humano
anuncio

serei obra do desdito 

© Sebastião Ribeiro

sábado, 10 de setembro de 2011

a morte da poesia


E não me parece que ela morrerá nos braços de Rodolfo Valentino. Ontem fui avisado (avisado, sim) que a poesia é passível de morte, logo humana que é. Apesar de percebermos uma unha ou um tornozelo eroticamente salientados dela, claro que falo da consciência humana. Fui alertado de um novo modelo de tv, e da mesma forma (ou sob isto) fui alertado que a poesia pode morrer.

Finar-se quando o homem confundir a liberdade de espírito com a liberdade que as mãos nos bolsos pode compreender. 

Finar-se como se termina um livro.

Finar-se como aquele tempo 'desperdiçado' num prazer 'ilícito'.

O que de nós é todos e quanto do todo podemos carregar em nossas mãos? Nos transbordamentos, a poesia está ameaçada.


[recomendo a leitura de Poesia & Utopia, sobre a função social da poesia e do poeta (Escrituras, 2006) do poeta e doutor Carlos Felipe Moisés. A leitura é esclarecedora.]

forquilha


Amigos, dois links para tirar aquela remela dos olhos. O primeiro é um trabalho meio antigo, mas válido, publicado na comunidade (mais válida ainda) A Garganta da Serpente. é um poema chamado Downtown, que você pode curtir aqui.

O outro é o recentíssimo blog do livro Acorde, de autores Igor-Pablo, Wesley Costa e ... eu. O espaço servirá de ponte entre a leitura e escrita, manufatura e consumidor. Entre, curta, siga, comente. Sua impressão é sempre bem-vinda. Logo. logo o livro físico estará aí à disposição, mas por enquanto catemos o produto de tanta expectativa. Isso é possível clicando aqui, ó!

Saudações

sábado, 20 de agosto de 2011

go & spread the word

Dez anos me fizeram um jovem poeta. Quando ainda contava meus textos, me dei conta que nem os anos se devem contar. Dez anos me fizeram ciente da iminência dos dias. Ao contrário de jovens escritores que verifico aqui & acolá, não mais me interessa fazer dum livro uma coleção de borboletas. A beleza que crio anda travestida, e tem show hoje à noite num gayclub da vida.

Tenho uma história, e como as que admiro, preciso achar uma lógica em acreditá-las.

Ah, e feliz aniversário para meu agora.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

untitled document

                     
                              a R. C. 

que tipo de ver é
este que lembra e
lembrando esparsa
seu vapor no corpo
incapaz de tomar-se
o uísque poderoso
que derrama de
qualquer coisa
que em ti indo
fica
enfática
insondável
frutuosa
delirante
                        
                      © Sebastião Ribeiro 

sábado, 6 de agosto de 2011

I


Será o amor, o salário arenoso ou a falta de proteínas a me fazer assim? Assim como? Assim, desta maneira quieta e explosiva, desta maneira com recheio de morango. Desta maneira é que faço poesia, e  - como assim?-, assim como desta maneira sou, Deus te diga o que quis dizer-te comigo (Quintana agora...).

Será a falta de amor, será o 'que é o amor?', será simplesmente a fúria bi-diária de enrolar-se nas coxas alheias, será a sede em falar aqui, assim, afim de mim, e para onde isto irá? Será que irá? Vai-se indo. E Deus queira esclarecer-me perante teu desejo.

Será enfim esta letra de música que não lembro, dizia o que mesmo? Só lembro que era Arcade Fire... Talvez fosse, mas não assim como assim vou, ou estou. Meu dia que espelha tantos outros busca seu selo oficial: os poemas que aqui não ponho. Ainda. Assim. Como assim? Deus queira te jogar um pedregulho à caminhada para nada te dizer sobre que quis Ele murmurar a meu respeito.

sábado, 30 de julho de 2011

contradição nº 897


Precisei de algo muito forte que elucidasse o já conhecido fato da força de gato que uma palavra tem. Provei de uma ira profunda e sincera, ira que me ancorasse no ridículo, e então aí, descobri a palavra deitada e luxuriosa buscando um amante virgem (trecho honestamente disponível à interpretação pelo método histórico-biográfico).

Dos senhores sentados na porta de suas casas, do comerciante que abre às tardes de sábado, da falta de moradia à moradia limítrofe da inabitável, palavra alguma forrará o chão. Dos milhões de gritos e surras e escrutínios disponíveis neste país, dos milhões destinados à erradicação da miséria (qual?) e da lisura, o que da palavra não será cinza de lenha antiga?

Meus leitores, a grande palavra é a que mergulhou na calda de sentido de tantos silêncios. Dentre eles, a Lei. Sinto que o compromisso dos que querem viver na pretensa força de uma palavra buscando Arte andam gozando-a de tal forma que qualquer onanismo é brinquedo. Meus senhores, amemos, mas não esqueçamos de acordar cedo para o trabalho. Por que? O mundo deseja. 

Question: Até onde um poeta desejoso da fuga pode chegar? O que a palavra interessa à fuga? Que é uma palavra na fuga? E de fuga?
Answer: Algumas palavras relacionadas por um fio de cobre talvez respondam mais pela sua forma de adorno que a de utensílio. Que utensílio precisamos? O que é o utensílio?

Answers...

domingo, 24 de julho de 2011

black


Não existem muitas palavras que interessem mesmo a mim neste instante. Ando colhendo-as, observando todos os lados, sem medo de usá-las quando não gostam de como elas caem em mim; sabe, coisa de consumidor destes tempos.

Às voltas com o nada oriental, sei que existe uma fonte que recheia os vãos ocidentais. As palavras também parecem vir dali, então anuncio frequentemente este silêncio que absorve e liberta, mesmo que em termos.

Quero mesmo é compreender o conjunto de direções que enlevam e manipulam ao mesmo tempo meus olhos e voz. Eu parei para buscar um som em que possa acreditar.

a Amy Winehouse

quarta-feira, 6 de julho de 2011

você referente

Ando dormindo, mas com a baioneta ao lado. E não sei ao certo, porém, mesmo um vulto corre o risco de se machucar com meus golpes no ar. E como guarda que vigia,  inevitável o cansaço esmurrá-lo. Daí uma suposição, se vigio por proteger ou vigio por exigência – de quem, vai saber.

Esta tentativa de metaforizar acima é produto do que creio acreditar (!) como viável – vejam: viável, não certo; do que creio realizável e compartilhável em poesia. Penso aqui que, para ser visualizado aqui, teria que discorrer com minhas parcas armas de defesa sobre pra que raios poesia hoje e onde faz e como se come; acontece que de certa forma diluo isto por aí de tantas maneiras, que a única maneira que vejo como verdadeira para considerarmos a poesia atualmente é: relaxe... e goze, se puder.

Tentarei mais uma vez me explicar. Acredito piamente na capacidade das pessoas, do ser pensante, digamos, até que este se prove indubitavelmente incapaz de coisa alguma. Quem escreve ou quem quer pensar quem escreve ou como quem escreve ou se não escreve, o quer fazer sem pensar, ou ainda, pensá-lo sem fazê-lo, nos ajuda com o descrédito de que a recepção não é importante. Eu digo, sim e não. Explico novamente: a palavra chave para uma boa relação com o leitor ou o vendedor de ovos da esquina é relativização (Deus, mesmo o Universo e a Natureza são relativos, por que eu quereria ser absoluto?!). A recepção geralmente não deve se meter no trabalho do escritor e vice-versa. Por que? Porque a relação entre quem escreve e quem lê é cimentada na afinidade e na reciprocidade. Do contrário, ambos se contradiriam como um ou outro.

O diálogo é deveras importante e construtivo. Mas como disse acima, creio na capacidade do ser pensante (e sensível ao que pensa, da forma que for), e o leitor é processador, não criador. O leitor (eu e meio mundo) é re-criador. A beleza e funcionalidade da coisa estão aí, e, finalmente, espero ser considerado (ou compreendido) quando digo que nem a re-criação, nem a criação (que seria, aqui, criação?) são coisas limitadas, apesar de certa forma exclusivas de suas partes; a criação é um processo, um caminho, que naturalmente começa num ponto e paga seu pedágio noutro – e está implícito seu não-retorno ao ponto original da mesma forma como deste foi-se. E esta condição não impede interseções.

Considerar este tipo de coisa é especialmente estranho ou frustrante quando em falarmos de poesia. Nestas universidades. Nesta cidade. Neste país. Poucas mentes veem a coisa de forma holística. A força do texto poético carrega uma filosofia e uma consciência do mundo (onde quer que esteja localizado) que muitas vezes um romance ou um conto não alcançam. Vejo por este viés uma das razões da sobrevivência da poesia. S-O-B-R-E-V-I-V-Ê-N-C-I-A. Não que creia que ela morrerá, mas como os famintos de África, vão-se alguns; outros aparecem. Neste caso, a poesia ajudaria a sensibilizar a coletividade, mas, nem preciso dizer que, quem viabiliza as coisas nestas civilizações civilizadas não é o poema ou o poeta, e claro, a política. Vejam porque a poesia social é uma das formas mais fáceis dum poeta se queimar. É necessário ter consciência, e, se possível, engajamento físico para a mudança. No mais, se isto não faz parte de sua personalidade ativa ou passiva, reconheça sua condição. Os rótulos e as exigências são outra maneira de controle, e falo aqui especialmente do tipo de controle anímico, e que, vai saber, deve ser atávico em alguns. Circulando, se lembram do dito ‘cortar o mal pela raiz’? Seja bem ou mal, alternativo ou capitalista, a raiz é permitir à sensibilidade tornar-se física, ou pelo menos visível às relações entre humanos-humanos e humanos-coisas.

Finalmente, quero lembrar que existem duas espécies de hermetismo em poesia: o da linguagem e o do couro de quem escreve. Ambos criam barreiras, mas as Guerras Mundiais, a do Golfo, a do Afeganistão e a do Iraque nos mostraram que nada neste mundo ainda é intransponível. É uma questão de relativização e sensibilidade. De quem ataca e de quem é atacado. Daí haver vencedores/perdedores, sobreviventes/mortos, e as possíveis combinações entre estes elementos. A recepção é muito vária. Os escritores, tão quanto. A ditadura das personalidades leitoras, escritoras e consumidoras existe, mas como quando coerentes sabemos, este tipo de situação causa mais que preconceito e confusão, causa intolerância. Uma das causas do distanciamento do público-leitor da poesia foi o hermetismo, o desafio, às vezes, desmedido contra a lucidez. A lucidez não necessariamente quer dizer objetividade, e objetividade muitas vezes é confundida com síntese da síntese. Mesmo assim, não me atrevo ainda a levantar bandeira quanto a isto, pois acho que minha condição de Artista e missão como Poeta é de certa forma maior que isto. Ossos do ofício. Condições do amadurecimento – sempre possível e presente. O hermetismo de fato inútil ao ser humano, como espero que tenhamos percebido, é o hermetismo do espírito.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

discurso

1.

Tenho a certeza tranquila de quem não sabe o que fazer. Tenho a garantia de quem assume. E o sulco que circunda o que deste indivíduo é poesia foi cavado da mesma maneira. Às voltas com ninguém, mais uma vez me encontro carente de esclarecer coisas sob a luz do Sol, luz que chama a cabeça, mas quando vista estoura os olhos. E ficamos por aqui mesmo? Talvez.

Arrisco-me a dizer que a poesia é uma matéria equacionada. Ao seu modo, mas equacionada, digo, com palavras, mais ainda, com lexias, diria Barthes, por mim corroborado. Em seu ritmo, uma vez que não necessariamente uma comparação leve à precisa linha de seu exemplo. É uma visão metonímica, mas que de algum modo funciona. Quero chegar à questão de que enxergamos o objetivismo classicamente, e que as mudanças residem primeiramente numa inconformidade, numa incongruência, aqui mesmo, na cachola.

Com relação ao objetivismo que já foi clássico, lembremos que a objetividade é uma face disponível a tudo, seja você louco ou não. Quero dizer que nem só de épicos vive o homem, e a fragmentação muitas vezes proposta em poesia é versão desta visão de objetivismo. São partes que, assim como o todo duma obra ou projeto, comunicam uma equação com muitos parênteses, alguns colchetes e infinitas potências que pedem por resolução. Acontece que estamos acostumados, creio eu, que as palavras tudo digam, mas, provavelmente nos deparamos com um quebra-cabeça, uma peça dele ao menos.

2.
Poesia.
Onde?
Aqui mesmo: homem que grita para vender picolé, moça que confessa a outra num ônibus cheio quão safado seu namorado é e mesmo assim o ama, motorista que confabula com o cobrador sobre passarinhos de gaiola, a tentativa de dizer a verdade sem doer na alma de quem ouve, canção ouvida e não compartilhada, uma formiga carregando uma pétala, o gracejo na mesa entre cervejas, a piada #fail, o comentário feito após o filme, a ânsia confessada ao espelho, o olhar que disse tudo, as palavras que não cumpriram sua nascença.
Poesia. Onde? Aqui mesmo?
Claramente aqui, onde se pode imaginar uma viagem a um planeta de carbono enquanto se tropeça na calçada quebrada; aqui de verdade, onde quem sabe, há alguém que nada diga nem precise dizer ou não o quer, porque os discursos que esperam o mundo foram abortados e, atávicos, ocorrerão na falta da sétima geração; neste espaço cheio de fotos e beatbox onde se encontram os carros e seus cérebros; por ali, na falta de uma onda que ressoe em nossos ocos; exata localização na consciência binária de um homem grande com braços largos para abraçar o asteróide que o decepará.





sexta-feira, 27 de maio de 2011

confissão

Minha existência é preocupada com a ordem social da mesma maneira que um náutilo. A mesma coragem que me é necessária a confessar minha abulia é fundamental no entendimento de minha condição de sardinha que não imagina ser pescada, nem considera a metafísica das latas...

A ordem social, os sindicatos, os eleitores e os susseranos residem na mesma religião; e eu necessitaria duma conversão epidêmica para considerar a verdade. Entretanto é mister lembrar que 1. se a verdade é visível, talvez não seja sexualizavél, e 2. provavelmente ela (caso pese) se encosta na primeira esquina do Cosmo, aguardando um primo do Hubble para a compreta a R$ 100.

Verdade é que nem uma física ao contrário nos livraria da opressão, do condicionamento, da apatia, do crime. Eu mesmo não estaria aqui se não fosse pelas perdas. Um mundo nos conformes é algo que a matéria não permitiria.


sexta-feira, 20 de maio de 2011

back and forth

ACHTUNG: ESTE POST DEVERIA TER SIDO POSTADO EM MARÇO... TERIA QUE VOLTAR NO TEMPO E RESOLVER ISTO, E ASSIM O FAÇO AGORA.

Bem, com um ano de atraso posto aqui meu primeiro mérito oficial, o primeiro reconhecimento em livro ever. Posto-o um ano somente, creio, devido à mudança de postura com relação ao meu fazer poético durante este mesmo período. Quando era mais verde, queria porque queria ser reconhecido, o que quer que eu fizesse poeticamente.... Quando, talvez através de algumas atitudes externas que não deleitaram minha personalidade, percebi que por mais que fosse novo e inédito, a atividade poética demandava uma energia que algumas vezes me deixava triste, outras consternado, alegre ou irritadiço. Coisa de um ano e pouco, minha vida como dito 'poeta' começou a se questionar... e a resolução caiu como uma manga em minha cabeça. Por que o faço? Para que? Quando fazer? Minha ingenuidade convinha muito bem à minha falta de propósitos.

Acontece que o ser humano (logo, sapiens) que usa instrumentos poéticos não o faz por nada e do nada. A Arte é muita coisa, como já tentei dizer no post anterior. Entretenimento, manifesto, compartilhamento, fuga ou nada mais... Hoje tenho, especialmente a poesia, na conta dos gestos que procuram contatos com outros gestos; o que é poético é um processo, como uma conversa, um beijo, e obviamente, um olhar e uma busca. Discorrer sobre o que é o poético (principalmente no escrito) num mundo como o nosso – e para que praticá-lo ainda – é algo fácil e difícil, por isso um fulano ou outro soltar que poesia é 'dizer o indizível'... O indizível é totalmente possível de ser dito, portanto, creio que não-ditos não sobreviveriam aqui... Um vez dito está dito, assim o indizível talvez nem exista... Poesia é revelação de perspectivas, de sonhos e déjà-vus à doppelgangers e paranoia.

Voltando ao poema, a recepção por parte dos pares foi morna, aí, percebi aquelas perguntas em minha mente cheia de pronomes relativos. Uma possível resposta estivesse talvez antes dessas relativizações, estava na natureza do texto participante da antologia (que você pode conferir melhores detalhes e razões aqui). Primeiramente, trata-se de um texto diferente da pessoalidade autoral que venho construindo em meus poemas. A proposta foi algo mais amplo, que alcançasse uma mensagem universal mesmo. O tema da edição que participei é 'Luce/Ombre' (Luz/Sombras). A delimitação de tema não foi problema algum para mim, uma vez que me certifiquei que era hábil e entregue o suficiente à minha intuição e sensibilidade, o que permitiu que construisse um poema meu e ao mundo, ao mesmo tempo.    
                                                    
Participar deste projeto foi algo muito interessante do ponto de vista pessoal, uma vez que havia intenções na pluralidade de vozes presentes na antologia. Vozes do mundo inteiro, a constar. Todos estavam discursando sobre destinos e realidades, não somente prezando um valor individual ou unicamente ligado ao poético itself. Serviu-me então esta experiência, em mais de que somente me dar algum destaque, mas essencialmente em provocar uma reflexão dupla: sobre o mundo e o eu (eu-poeta, digamos).

Fosse antes, estaria muito preocupado em agradar a qualquer um que por ventura o lesse, e quisesse comparar com meus temas pessoais e formas usuais. Não, não me preocupo. Nem com alguns ritmos óbvios (outros, nem um pouco) que aparecem no poema. Gosto da novidade quando me convém, quem tem problema com forma é sonetista e com tema é clássico. Como artista, creio que a única exigência que um público pode fazer a mim ou a qualquer outro artista, seja um escritor ou um DJ, é que não nos acomodemos, e que nos sintamos prontos a assimilar outras estratégias que renovem as vistas. De resto, o poema foi julgado (e quase ganhou o primeiro lugar, como fiquei sabendo depois) e disponível a todos aqueles que conseguirem se entregar à sua mensagem, à sua busca, ao seu estar. Ei-lo:

Mundos

Presumo além do clarão desta folha qualquer
forma que alivie — sem eu dizer sem eu pensar
— a Canaã que busco a prazo,
vontade além dos desertos de frio escuro,
aos bancos de areia tudo resumo: o mundo.

Chamem o tempo além do vento,
que tudo já é levado ao outro lado do dia:
a esperança sem padrão nesta terra, seus bens
compostos, estendidos na ilusão duma mentira
que é a não-razão de toda verdade extinta.

Que suster, que inventar, para qualquer
motivo que não lembre palmeira ou mar?
Profundamente na revelação desta fraqueza
aqui palavra se esconde inquieta a noite inteira,
expectante em sua memória de luz extrassolar.

O poema, aqui, em português, neste blog, é meio que exclusivo, uma vez que na antologia está em italiano com sua versão inglesa. Ele é uma lembrança que deixo a vocês, querendo somente receber como paga a consciência de que, quando algo é escrito em vão, que o seja totalmente propositado. 


domingo, 8 de maio de 2011

leaving

A estória dos anéis e dos dedos... Tanta coisa buscamos que não nos
perguntamos: por que não deixá-lo ir? Fica claro, nem tudo dorme no
controle. A estória dos anéis. Dedos que sempre buscam.

--
Enviada a partir do meu dispositivo móvel

Sebastião Ribeiro

quarta-feira, 4 de maio de 2011

cinco minutos

não ando morto. só não me percebo.
não ando calado. há meu lábio de fumaça.
não ando a todo a mim.

                                    só estou aqui.

terça-feira, 15 de março de 2011

é

Queria dizer algo, mas algo bem inteligente, mas ainda conto somente com metade da  perspicácia que me é direito. Queria, mas... quero?

O silêncio ajuda muito a decidi-lo, mas nunca se conforma sozinho. Continuo querendo, quereria querendo, quero querendo, e me conformo em ser isso a vida.

E me contorciono para ver a vida distante, indo viajar... Termino preso numa acrobacia que demonstra o quanto pouco sei sobre me mexer e o quanto preciso saber para estar aqui ainda.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

estalo



Apesar de ainda ser jovem, apesar de somente nos últimos dois anos poder dizer que angariei vitórias mais consistentes em relação à minha arte (publicação numa antologia internacional e 2º posição num festival de poesia local, posso dizer sem receios que tenho alguma experiência, experiência da experiência poética. Obviamente, não terei pachorra em defender meus versos mais inocentes e despretensiosos de 10 anos atrás, mas o que acontece é que todo esse processo serviu de aprendizado ao domínio da linguagem e das imagens que busquei trazer. Mais que isso, importante destacar que estes anos que passaram e que continuam a passar me vestem de uma consciência grande, de que a poesia, como qualquer outra manifestação artística, é vária nela mesma; é um reflexo de seu todo, a Arte, e assim sendo, é diversa e carrega propósitos plausíveis e condenáveis até certo ponto.

Quero chegar ao ponto daquela máxima, de que 'tudo em excesso faz mal'. A ideologia, o motivo puramente estético, o concretismo, o engajamento, o sensualismo, etc, tudo isso e outras coisas, por exemplo, fazem mal ao propósito artístico em geral, especialmente em poesia, quando considerados excessivamente. A poesia, pelos tempos que vem sobrevivendo, serviu e serve a vários propósitos, mas pessoalmente, me sinto incomodado quando ouço um artista qualquer proferir que sua arte só serve 'a fins estéticos'. Isso não é bom. Teria de discorrer linhas e mais linhas sobre o que considero importante por ou sobre a função da Arte, mas é que não tenho tempo agora... Que posso dizer é, função neste caso não tem absolutamente muita coisa a ver com utilidade. Para tentar explicar isso teria de desfiar considerações sobre o que é Arte, poiesis, tecné, etc, só que não me sinto completamente imbuído destas situações a ponto de expressar um juízo correto e defensável. Desculpem-me, tentarei me redimir disto em breve.

A cargo de desencargo de consciência ou consolação, ou o que quer que vocês precisem no momento em que tentam ler e compreender este post, considerei estender minhas motivações neste instante com três textos especiais. Eles, cada qual a seu modo, em seu contexto ou na possibilidade de extensão de seu contexto, trazem algumas sugestões a respeito de como o artista vê sua arte ou para que a constrói ou qual é a natureza do artista (o de verdade, não o famoso por ser famoso da TV). O primeiro é um manifesto, achado no blog da oportuna Maria Rodrigues, o Chapelaria . Como a própria explicou em seu espaço, apesar de ser um texto que considera essencialmente a arte do teatro, pode ser entendido como considerações úteis a qualquer arte, e na minha curta opinião, especialmente aos novíssimos cultores de Arte. Leiamos aqui o texto e reflitamos sobre: 


POR UM TEATRO MATERIALISTA


Por Márcio Marciano e Sérgio de Carvalho

A Companhia do Latão tem debatido internamente algumas questões que dizem respeito à sua utilidade como produtora de representações. Para se opor aos modos hegemônicos da atividade artística numa sociedade orientada pela lógica do Capitalismo tardio (cujo corolário é a transformação perene da cultura em mercadoria e da mercadoria em cultura) essa reflexão deve provir de uma ação cultural como prática política. Procuramos resumir os temas debatidos nos itens expostos a seguir:

O que dá sentido político ao teatro é a forma como se organizam suas relações de produção. É na sala de ensaios que tem início o processo de politização do Teatro. O modo como se organizam as relações de trabalho entre os integrantes do grupo determina o caráter político da encenação. O esforço para que seja superada a divisão entre trabalho material e trabalho espiritual na construção da cena deve se estender, numa segunda fase, à relação com o público. A politização do ensaio contagia a forma do espetáculo e abre uma nova perspectiva de recepção crítica. A forma processual da obra - decorrente da atitude coletivizante do trabalho - suprime as hierarquias entre os artistas no palco, desmistifica a imagem artística, e busca tornar companheiros de jornada simbólica os homens do palco e os da platéia.

O que determina o valor da produção artística é seu valor de uso.
Submetida aos padrões do mundo da mercadoria, a produção artística é levada a alienar sua utilidade em favor da pura circulação. Como uma sandália que não se destina mais ao pé, mas feita para ser vendida, o artista passa a trabalhar para ser reconhecido como artista, gasta sua energia produtiva e econômica para aparecer nos jornais, para ser valorizado como mercadoria da cultura. Torna estética não sua obra, mas sua condição de mercadoria. Afasta-se dos conteúdos da arte e estetiza, em abstrato, seu modo de ser. Comporta-se como as mercadorias, cuja aura construída pouco provém do conteúdo do produto e muito das emoções genéricas que lhe são atribuídas. O artista, assim constrangido, persegue toscas imagens da celebridade enquanto lamenta idealisticamente a corrupção dos valores artísticos. A crítica ao império da circulação é, contudo, insuficiente. Pode levar à defesa da arte absoluta, de que a obra encontra seu fim no seu sentido puramente estético. Para nós, não se deve ter medo do debate sobre a função da arte. Consideramos legítimas quaisquer utilizações pedagógicas, assistenciais e humanitárias da arte, ainda que nossa pesquisa seja de ordem estética.
Estética naquele limiar em que a estética deixa de ser estética: nosso interesse artístico é a reativação da luta de classes.

É necessária a invenção de alternativas de circulação.
A lógica da circulação impregna e confunde os produtores da arte. Inocula nos organismos da cultura doenças como o marquetismo, o personalismo, o agradismo hedonista. A crítica à mercantilização da arte é inoperante se o trabalho artístico continua preso aos ditames de uma imprensa cujo critério de verdade provém das pesquisas de mercado. De outro lado, a produção que conta com o apoio estatal não está preservada da influência mercantil quando apenas - no desejo de corresponder ao sentido público de sua missão - confere aparência "social" aos seus produtos, sem alterar conteúdos e práticas teatrais. Os produtos da cultura devem servir a processos coletivos, e não o contrário. Por isso, novos modos precisam ser inventados: associações de espectadores, contatos com movimentos sociais, intercâmbios entre grupos. Cabe também aos artistas a organização de novos sistemas de circulação de suas obras. Não basta a interlocução isolada entre produtores culturais, à margem da sociedade. É preciso produzir formas capazes de incluir a sociedade como um todo numa perspectiva revolucionária.

Anticapitalismo, pesquisa estética e revolução.
A pesquisa estética terá sensibilidade revolucionária quando desenvolvida por produtores empenhados em um projeto coletivo anticapitalista.


Companhia do Latão (grifos meus) - Lembrando que um ponto ou outro é sempre bom de ser contextualizado e discutido com mais largura, especialmente a concepção de coletividade na obra artística.
O outro texto é um... manifesto, também. Alguma coisa diferente do primeiro, mas nos traz uma visão do que é o Artista. A primeira vez que o li gostei muito, pois unificou o sentido do que é o Artista, independente da Arte que o denomina como tal. Certo, toda regra tem sua exceção, mas ainda creio piamente que o Artista genuíno não é um acomodado, e se o for, não é um tipo comum de tal. Marina, é com você:


Manifesto sobre a vida do artista

1. a conduta de vida do artista:
- o artista nunca deve mentir a si próprio ou aos outros
- o artista não deve roubar idéias de outros artistas
- os artistas não devem comprometer seu próprio nome ou comprometer-se com o mercado de arte
- o artista não deve matar outros seres humanos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
2. a relação entre o artista e sua vida amorosa:
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
3. a relação entre o artista e o erotismo:
- o artista deve ter uma visão erótica do mundo
- o artista deve ter erotismo
- o artista deve ter erotismo
- o artista deve ter erotismo
4. a relação entre o artista e o sofrimento:
- o artista deve sofrer
- o sofrimento cria as melhores obras
- o sofrimento traz transformação
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
5. a relação entre o artista e a depressão:
- o artista nunca deve estar deprimido
- a depressão é uma doença e deve ser curada
- a depressão não é produtiva para os artistas
- a depressão não é produtiva para os artistas
- a depressão não é produtiva para os artistas
6. a relação entre o artista e o suicídio:
- o suicídio é um crime contra a vida
- o artista não deve cometer suicídio
- o artista não deve cometer suicídio
- o artista não deve cometer suicídio
7. a relação entre o artista e a inspiração:
- os artistas devem procurar a inspiração no seu âmago
- Quanto mais se aprofundarem em seu âmago, mais universais serão
- o artista é um universo
- o artista é um universo
- o artista é um universo
8. a relação entre o artista e o autocontrole:
- o artista não deve ter autocontrole em sua vida
- o artista deve ter autocontrole total com relação à sua obra
- o artista não deve ter autocontrole em sua vida
- o artista deve ter autocontrole total com relação à sua obra
9. a relação entre o artista e a transparência:
- o artista deve doar e receber ao mesmo tempo
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
10. a relação entre o artista e os símbolos:
- o artista cria seus próprios símbolos
- os símbolos são a língua do artista
- e a língua tem que ser traduzida
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
11. a relação entre o artista e o silêncio:
- o artista deve compreender o silêncio
- o artista deve criar um espaço para que o silêncio adentre sua obra
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
12. a relação entre o artista e a solidão:
- o artista deve reservar para si longos períodos de solidão
- a solidão é extremamente importante
- Longe de casa
- Longe do ateliê
- Longe da família
- Longe dos amigos
- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de cachoeiras
- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de vulcões em erupção
- o artista deve passar longos períodos de tempo olhando as corredeiras dos rios
- o artista deve passar longos períodos de tempo contemplando a linha do horizonte onde o oceano e o céu se encontram
- o artista deve passar longos períodos de tempo admirando as estrelas
no céu da noite
13. a conduta do artista com relação ao trabalho:
- o artista deve evitar ir para seu ateliê todos os dias
- o artista não deve considerar seu horário de trabalho como o de funcionário de um banco
- o artista deve explorar a vida, e trabalhar apenas quando uma idéia se revela no sonho, ou durante o dia, como uma visão que irrompe como uma surpresa
- o artista não deve se repetir
- o artista não deve produzir em demasia
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
14. as posses do artista:
- os monges budistas entendem que o ideal na vida é possuir nove objetos:
1 roupão para o verão
1 roupão para o inverno
1 par de sapatos
1 pequena tigela para pedir alimentos
1 tela de proteção contra insetos
1 livro de orações
1 guarda-chuva
1 colchonete para dormir
1 par de óculos se necessário
- o artista deve tomar sua própria decisão sobre os objetos pessoais que deve ter
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
15. a lista de amigos do artista:
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
16. os inimigos do artista:
- os inimigos são muito importantes
- o Dalai Lama afirmou que é fácil ter compaixão pelos amigos; porém, muito mais difícil é ter compaixão pelos inimigos
- o artista deve aprender a perdoar
- o artista deve aprender a perdoar
- o artista deve aprender a perdoar
17. a morte e seus diferentes contextos:
- o artista deve ter consciência de sua mortalidade
- Para o artista, como viver é tão importante quanto como morrer
- o artista deve encontrar nos símbolos da sua obra os sinais dos diferentes contextos da morte
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
18. o funeral e seus diferentes contextos:
- o artista deve deixar instruções para seu próprio funeral, para que tudo seja feito segundo sua vontade
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida

Marina Abramovic, créditos: o jardim elétrico

O terceiro é um poema. The Usura Canto é o tipo de texto que me causa uma inveja saudável, pela sua grandeza e unicidade. Busca mostrar o sentimento do Artista pelo que vê num mundo 'comerciável'. Creio que em algum ponto se relaciona com o manifesto da Companhia do Latão, e exemplifica, como uma busca estética pode servir a um propósito conscientizador do espírito:

Canto XLV

With usura hath no man a house of good stone
each block cut smooth and well fitting
that design might cover their face,
with usura
hath no man a painted paradise on his church wall
harpes et luthes
or where virgin receiveth message
and halo projects from incision,
with usura
seeth no man Gonzaga his heirs and his concubines
no picture is made to endure nor to live with
but it is made to sell and sell quickly
with usura, sin against nature,
is thy bread ever more of stale rags
is thy bread dry as paper,
with no mountain wheat, no strong flour
with usura the line grows thick
with usura is no clear demarcation
and no man can find site for his dwelling
Stone cutter is kept from his stone
weaver is kept from his loom
WITH USURA
wool comes not to market
sheep bringeth no gain with usura
Usura is a murrain, usura
blunteth the needle in the the maid's hand
and stoppeth the spinner's cunning.
Pietro Lombardo came not by usura
Duccio came not by usura
nor Pier della Francesca; Zuan Bellin' not by usura
nor was "La Callunia" painted.
Came not by usura Angelico; came not Ambrogio Praedis,
No church of cut stone signed: Adamo me fecit.
Not by usura St. Trophime
Not by usura St. Hilaire,
Usura rusteth the chisel
It rusteth the craft and the craftsman
It gnaweth the thread in the loom
None learneth to weave gold in her pattern;
Azure hath a canker by usura; cramoisi is unbroidered
Emerald findeth no Memling
Usura slayeth the child in the womb
It stayeth the young man's courting
It hath brought palsey to bed, lyeth
between the young bride and her bridegroom
CONTRA NATURAM
They have brought whores for Eleusis
Corpses are set to banquet
at behest of usura.
 


Claro que o texto original é mais denso que as traduções, e mais claro ainda que caso o caríssimo leitor não tenha intimidade com a língua original deste poema, ofereço-lhes duas competentes traduções no mesmo lugar que me forneceu tão febril texto, na versão eletrônica da modo de usar & co.aqui .


Por hora despeço-me, relembrando que o debate continua. O mundo atual é uma exigência para que o Artista se pronuncie. Sintamo-nos chamados. 

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

amor, s. m.



¹ O mote:


DIA DOS NAMORADOS

o amor 
passou-se no tempo em que não havia medo.
não havia paredes subidas.
as manhãs eram remotas como rosas.
os ontens uma mitologia condigna.
a pátria era tão labiríntica quanto uma lágrima.
tão imprevisível quanto o ofício de um deus.
o amor passou-se no tempo em que ainda não tinha nome,
em que os segundos eram uma espécie de sangue,
e a tarde podia ser uma só palavra
na órbita de uma outra palavra.
o amor passou-se neste poema para pessoas sós,
passou-se como mera reprodução de um tempo
em que não havia corpos, logo
corações distantes.
mas ainda assim o amor existe: mesmo sendo 
um ontem, mesmo sendo uma lágrima,
mesmo sendo uma rosa esquecida
num quarto azul. 



Sylvia Beirute


² A sorte:


'O amor é difícil'


'(...) as pessoas jovens, iniciantes em tudo, ainda não podem amar: precisam aprender o amor.'


Rainer Maria Rilke


³ O consorte

Amigos, minha situação atual como ser humano aponta equanimidade quanto às esperas dolorosas. Não nos rebelemos, nem estranhemos. Geralmente a constituição juvenil, afeita às paixões, ambiciona seu fim no pretenso começo, que já é o ápice das vidas, o tal do amor. Nada poderíamos dizer, bradar, sem que nos precipitássemos. Todos somos passíveis de incoerências e arrependimentos, e ser, a quem o persegue em entendimento, é um fardo a se carregar, talvez por isso estejamos sempre correndo por outros braços. 

As fracas conjeturas que surgem na mente agora trouxeram a reserva que venho guardando por estas questões. Como bem poderia depreender da leitura do poema de Beirute, o amor (passou-se num tempo em que nem nome tinha...) é algo necessário como o divino, foi instaurado ou percebido para o livramento de tanta pequenez em nossos espíritos, livramento das inconformações, dos destinos. Por isso muitos o perseguem, alguns buscam o comprar, outros o construir, mas seja o que seja na forma que esteja ou sentido que revele, marca que o releve, o amor será entendido de forma mais possível uma vez que admitirmos que ele não tem nome, nem forma, nem dia, nem morada registrável. Ele surge, mas não o acicatemos, pois acredito que ele surge humano no ensejo de uma rosa que precisa desabrochar, de uma rocha a permitir que as águas passem, nos sentidos eólicos.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

mais adequado, mais feliz?




Este vídeo é uma das coisas mais febris que já vi na rede. A conexão que se construiu com o que é imagem, palavra e som torna esta pequena obra de arte algo poderoso. Thom Yorke (Aqui um perfil de Yorke, na versão eletrônica da modo de usar & co.) compôs a 'letra' (Fitter Happier é uma das faixas do OK Computer, de 1997.) depois de um período de bloqueio criativo, considerando-a uma 'lista de slogans dos anos 1990'. Yorke também disse que foi uma das coisas mais perturbadoras que já escreveu. Compartilho com ele a angústia que este poema sonoro traz, aqui endossada pelas imagens de Pablo Iranzo. Compartilho o desconforto em uma sociedade que deseja que desejemos mais, e me arrisco a conjeturar que, já incluso nesta sociedade que tanto falamos e/ou culpamos, dois panoramas se abrem:

1. Relativizar nossa própria presença nesta sociedade 'campo de teste', na realidade, considerarmos esta também como sendo interna e individual, atinente às mentes contemporâneas;

2. Delinear atalhos que possibilitem um viver menos desgastante pela ocasião de tantas buscas e lugares e corpos e coisas perfurantes em nosso cotidiano.

Transcrevo aqui o texto deste poema sonoro. A tradução de Dirceu Villa na página indicada acima na modo de usar & co. ajudará a quem não tem intimidade com a língua inglesa, entretanto é perceptível que a física de uma língua empresta quase sem percebemos uma identidade ao texto poético, algo que é afetivo ou não. O inglês aqui constrói um clima em que o texto já parece estar destinado. É a principal língua do capitalismo, se relacionando fortemente ao contexto citadino e plastificado impresso no clichê do homem moderno, portanto, muito adequado entregar o corpo ao texto, às imagens e à sombria voz do Macintosh (seja lá o que pretendi dizer com isso):

fitter happier
more productive
comfortable
not drinking too much
regular exercise at the gym (3 days a week)
getting on better with your associate employee contemporaries
at ease
eating well (no more microwave dinners and saturated fats)
a patient better driver
a safer car (baby smiling in back seat)
sleeping well (no bad dreams)
no paranoia
careful to all animals (never washing spiders down the plughole)
keep in contact with old friends (enjoy a drink now and then)
will frequently check credit at (moral) bank (hole in wall)
favours for favours
fond but not in love
charity standing orders
on sundays ring road supermarket
(no killing moths or putting boiling water on the ants)
car wash (also on sundays)
no longer afraid of the dark
or midday shadows
nothing so ridiculously teenage and desperate
nothing so childish
at a better pace
slower and more calculated
no chance of escape
now self-employed
concerned (but powerless)
an empowered and informed member of society (pragmatism not idealism)
will not cry in public
less chance of illness
tires that grip in the wet (shot of baby strapped in back seat)
a good memory
still cries at a good film
still kisses with saliva
no longer empty and frantic
like a cat
tied to a stick
that's driven into
frozen winter shit (the ability to laugh at weakness)
calm
fitter, healthier and more productive
a pig
in a cage
on antibiotics

Enfim, compartilho essa obra providencial intencionando a reflexão sobre os valores pessoais e 'demonstráveis' que se cobrem de todos nós. A Arte compreende e se desenvolve em n questões, funções e modos, mas creio que se há um compromisso neste fazer artístico, é chegar da maneira mais possível e sincera ao espírito do homem, seja num nível onde somente os gritos possam se espalhar, seja na distância disponível a um sussurro.

domingo, 30 de janeiro de 2011

I am me, myself & I

Acabando de sair de mais um poema. Nem sequer lavei as mãos, já me senti impelido a me pronunciar, e humildemente, esperar ser ouvido de algum modo, sobre algo que atualmente vem tomando conta de 'meus' debates poéticos, mas com certeza é acontecimento na cabeça de muitos... E pensemos, na cabeça de muitos mesmo; aqui recoloco todos que de alguma forma tem certa relação com o processo poético, que como sabemos, não para, descansa no leitor, ou num termo que pareça mais apropriado, amador de poesia.

Essas voltas são para pensar com vocês um pouco (espero que o necessário) sobre a pessoalidade em poesia. O que impôs a falta de placidez em meu caminho até este post são as duas formas que convergem à possibilidade e à ojeriza deste mesmo objeto, digamos assim. A pessoalidade que ajuda a calcular o poema é a mesma que me causa certa repulsa. Engraçado é que, geralmente este é o tipo de coisa que eu e milhares de outros amadores de poesia buscam num texto. A minha própria pessoalidade me alivia e me incomoda. Que será que desperta este reflexo? O excesso? A falta? O explícito? O autor?

Correndo o risco de pular muitos algos sobre (seria realmente um risco?), um ray of light pousa e me indica que o problema estaria na forma como se concebe a poesia contemporaneamente. E a maneira como se concebe  a poesia não é propriamente, mas adequadamente similar a maneira como se concebe de uns anos pra cá toda sorte de aspecto humano sob o signo do cultivo do eu. Antes que me contradigam com 'um eu-lírico encharcado de pessoalidade não é uma forma de cultivar o eu?', devo dizer que a resposta a esta pergunta é sim. E não. Já digo porque. 

Como poeta, mas querendo mais primeiramente falar como o que busca-se ser verdadeiramente, o artista, aconselho a ver o poema pessoal (ou confessional, como alguns dizem...mas não vamos justificar hermetismos, isso é outra história - que talvez não te ajude muito... mas tente) como um compartilhamento. Algo que sabemos, falta no mundo que habitamos. Adoro quando uma letra de música (arte popular) fala de algo que anda acontecendo em nossas vidas. Como pessoa sensível, não necessariamente 'o poeta', me sinto encontrado, ouvido, ainda que a canção seja de alguém do qual nunca conhecerei pessoalmente. Que acontece é a empatia, a sensação que não se está sozinho pelo caminho. Não vejo problema em entendermos o homem como ser solitário, apesar das instituições sociais e dos prazeres ao qual está exposto (possivelmente por isso se expõe a tantos prazeres, não?). O homem é um mundo só dele noutro mundo de muitos (todos?). Isso talvez explique irresponsavelmente nossa racionalidade.

Outra maneira de tentar elucidar o porquê da pessoalidade, é a própria exigência subjetiva do texto poemático, mas isso é elementar. Há também o apreço humano por coisas sem utilidade visível, como o futebol, por exemplo; mas, vejam, o futebol, esporte que é, cumpre a função da competição que as nações guardam em seus arsenais bélicos e lide (desaventu) ranças individuais. Ainda que não haja motivo para o combate, existe o ego, que em uma nação inteira é coletivo de... egos! Eu de novo, ó! O porquê de falar isto é um nada? Até que ponto um país inteiro seja o país de um? Pensemos nisso: pessoalidade como processo de re-identificação + compartilhamento ÷ pelo afeto que guardamos aos instintos (ou simplesmente, 'coisas que não sei explicar, mas eu gosto!')

Creio ter me excedido como de costume e apego às coisas nem grandes, nem pequenas, e também creio ter soltado uma asneira ou outra, como de costume e apego à falta de academicismo. Como dito no início, este post foi um pensar com vocês, não me sinto o ensaísta, mui menos o teórico e desconfio de quem seja, se tratando de criação poética. Me deixo em liberdade a pensar o que penso e oferecer a quem curte. Sem sentido numa primeira vez (apenas a primeira, talvez seja a segunda), mas compreensível uma vez em que não precisamos entender nada. Feche os olhos e sinta. Tudo pode acontecer. Princípio básico de tudo. E de tudo que é poesia.
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