terça-feira, 20 de outubro de 2020

30

 



    Je suis esclave de mon baptême

            (Arthur Rimbaud)


Pós-chuva

um rastro de beldroegas

pelo bairro que atravessa

o corpo


alguns governos nos levaram

tanto mas não a eterna caça

garras que arranham o self


feito de ledo encanto só

entendo ultimatos no agora


festins fajutos no retrato

que percebo no espelho sujo

de pasta de dente


o alçapão na página permite

um fio de sol derreter minha

suspensa presença


sigo tido sobre anos usados

que insistem ser visagem

na xícara de café


um gole quente me

pressuriza os olhos

aqui sei

fundido

caibo num balde


ferido

ainda há uma rua

mesmo que

por baixo da casa


há incêndios no

peito e no espaço

indagando meus

taquicar

dias


                                                      RIBEIRO, Sebastião. Memento. Guaratinguetá - SP: Editora Penalux, 2020.


domingo, 4 de outubro de 2020

quarta-feira, 1 de julho de 2020

shaking hands / apertar as mãos [Pádraig Ó Tuama]


Imagem de terimakasih0 editada por mim em PHOTOMOSH


     27 de junho, 2012

Porque qual a alternativa?
Por causa da coragem.
Por causa dos amados perdidos.
Porque não mais.
Porque é uma coisinha de nada; apertar as mãos; acontece todo dia.
Porque soube de um homem cujas mãos não cessaram de tremer desde um dia de feira em Omagh.
Porque leva um segundo pra se dizer ódio, mas se leva mais, bem mais, para ser um grande líder.
Muito, muito mais.

Porque um espaço compartilhado sem toque humano não é muita coisa.
Porque é mais fácil falar consigo que segurar a mão de alguém cujo lado já foi previamente descrito, condenado, negado.
Porque é difícil.
Porque é difícil.
Porque se pretende difícil e essa é a coisa da memória, da esperança, do gesto, do significar e conduzir.
Porque tem-se levado tanto, tanto tempo.
Porque tem-se levado terra e grana e línguas e barris e barris de sangue.

Porque vidas se perderam.
Porque vidas foram tomadas.

Porque ser despojado é ser afligido por luto.
Porque mais que dois povos apreensivos vivem aqui.
Porque conheço uma mulher cuja mão não é apertada desde que era um homem.
Porque apertar uma mão é só uma parte do começo.
Porque conheço uma mulher cujo toque acalmou um homem de coração partido.
Porque privilégio não deve ser entendido tranquilamente.

Porque isso só pode ser bom.
Porque quem disse que seria fácil?
Porque algumas pessoas amam o que você defende, e para alguns, se você pode, eles podem.
Porque solidariedade são mãos em comum.
Porque uma mão é apenas uma mão; então segure-a.

Então una-se às suas tão discutidas mãos.
Precisamos disso; por um segundinho.
Então toque.
Então conduza.

* * *

       27ú lá Meitheamh, 2012

Because what’s the alternative?
Because of courage.
Because of loved ones lost.
Because no more.
Because it’s a small thing; shaking hands; it happens every day.
Because I heard of one man whose hands haven’t stopped shaking since a market day in Omagh.
Because it takes a second to say hate, but it takes longer, much longer, to be a great leader.
Much, much longer.

Because shared space without human touching doesn’t amount to much.
Because it’s easier to speak to your own than to hold the hand of someone whose side has been previously described, proscribed, denied.
Because it is tough.
Because it is tough.
Because it is meant to be tough, and this is the stuff of memory, the stuff of hope, the stuff of gesture, and meaning and leading.
Because it has taken so, so long.
Because it has taken land and money and languages and barrels and barrels of blood.

Because lives have been lost.
Because lives have been taken.

Because to be bereaved is to be troubled by grief.
Because more than two troubled peoples live here.
Because I know a woman whose hand hasn’t been shaken since she was a man.
Because shaking a hand is only a part of the start.
Because I know a woman whose touch calmed a man whose heart was breaking.
Because privilege is not to be taken lightly.

Because this just might be good.
Because who said that this would be easy?
Because some people love what you stand for, and for some, if you can, they can.
Because solidarity means a common hand.
Because a hand is only a hand; so hang onto it.

So join your much discussed hands.
We need this; for one small second.
So touch.
So lead.


* * *

Shaking Hands’, publicado originalmente em Sorry For Your Troubles (Canterbury Press, 2013). Copyright © 2013 by Pádraig Ó Tuama. Reproduzido e traduzido com a permissão do autor. www.padraigotuama.com


domingo, 14 de junho de 2020

passado


Anos e dias
do lado de fora

este portão à frente
é um escudo

neste lugar excluso
sapateio nas memórias

paixões não sendo fatos
pessoas, significados
marcho pela
rua de meus causos

receio pela fresta
ralha a loucura
por um diáfano



um dia na madrugada
vontade de cantar
nunca alcanço aquela nota

outro dia embalado
no luto que não espero ter

de todos
os passos em dia
além capitulo a uma
espécie de abraço

aforismos em
sachês de açúcar

__________________________________________________________
in RIBEIRO, Sebastião. Memento. Guaratinguetá - SP: Penalux, 2020

segunda-feira, 25 de maio de 2020

lightning / relâmpago [Witter Bynner]


Imagem de sethink editada por mim em PHOTOMOSH


Há uma solitude em te ver,
seguida de tua companhia quando te vais.
És como um véu celestial de relâmpagos.
Apenas mais tarde é que consigo ver
o quão bonito és.
Há uma cegueira em te ver,
seguida da visão de ti quando te vais.


Lightning

There is a solitude in seeing you,
Followed by your company when you are gone.
You are like heaven’s veils of lightning.
I cannot see till afterward
How beautiful you are.
There is a blindness in seeing you,
Followed by the sight of you when you are gone.


(Tradução minha de BYNNER, Witter. Lightning in Others for 1919; An Anthology of the New Verse (Nicholas L. Brown, 1920). Disponível AQUI.

***

WITTER BYNNER nasceu no Brooklyn, Nova Iorque, em 1881. Graduou-se por Harvard em 1902. Trabalhou como tradutor, repórter e editor-assistente da revista McClure’s. Publicou An Ode to Harvard, New Poems, Take Away the Darkness, The Beloved Stranger, dentre outros trabalhos de poesia. Em 1922, estabeleceu-se em Santa Fé, Novo México, com seu parceiro, Robert Hunt. Lá faleceu, em 1º de Junho de 1968.

(versão adaptada da mini-bio do poeta disponível em inglês, AQUI.)

domingo, 17 de maio de 2020

sem título



Imagem de anvelru editada por mim em PHOTOMOSH

***

sem cais sentei aqui quando chegaste.
és o que és para que’u agora discirna
o oceano esfriando sob os cargueiros

a água não estava mais nela mesma
quanto eu calado pela canção alheia.

só pedi que o mar esperasse a vida:
um dia o serei duas milhas adentro


***

RIBEIRO, Sebastião. Acorde. São Paulo: Scortecci, 2011

sexta-feira, 1 de maio de 2020

O que dizer do Sr. Ribeiro e de seu novo livro?, por Weslley S S Costa*




Sebastião, à época de universidade, em que com ele estudávamos (eu e o poeta Igor Pablo Dutra), já escrevia e nos incentivou amplamente. Quando queríamos escrever, ele já o fazia há anos… Mas os anos passam e Sebastião Ribeiro, hora, corre rumo a uma nova empreitada literária. 

Sebá tem sua voz própria; é um dos poetas mais habilidosos que conheço (estilisticamente). No transcorrer dos dias desenvolveu muita técnica e tem vasto léxico; ele consegue tecer belas imagens tanto quanto um simbolista ou um surrealista francês faria, mas no sentimento em seus versos tem apresentado algo mais ao estilo expressionista. Ele sabe que existe dureza, corrupção e desamor, pois “(...) o mundo todo jaz no maligno.” 

O Sr. Ribeiro fala sobre como é viver em um “país de terceiro mundo” e estar espremido em ônibus lotados; fala em estar triste e ter a “vontade de cantar”, mas nunca “alcançar a nota”.
  
Para adentrar na riqueza de sentido da palavra colocada por Sebá, eu diria: quantos estudantes buscam a nota maior competindo por uma vaga em um concurso? Mas nem todos alcançam. Quantos querem ser notados pela mulher amada? (“Tudo tem o seu tempo determinado (...)”. Quantas anotações certeiras procuram jornalistas, compositores, poetas e publicitários? Quantos desempregados em São Paulo e em todos os estados buscam aquelas notas coloridas que poderiam ajudar a levar mais conforto a suas famílias? 

Sebá sabe que a realidade pode ter suas circunstâncias desagradáveis e discorre a respeito delas (sim, é preciso ser cidadão consciente de que nem tudo está certo mesmo; é estético e compreensível, de algum modo, tratar das coisas belas. Porém, pessoalmente, causar-me-ia estranheza morar em um país com altos índices de corrupção, criminalidade e violência e ver ainda tantos livros “atuais” de poemas que se limitassem, totalmente, a temas cotidianos, paixão & beleza). Por outro lado, em meio aos dias em que muitos entraram em depressão, é importante acrescentar que é necessário ser um “realista esperançoso” tendo a fé firmada n’Ele para não se estraçalhar diante da dor. 

Sobre o poema Passado 

Em “Anos e dias/ do lado de fora” o eu-poético, dentro desses versos, mostra sentir-se excluído. 

“este portão à frente/ é um escudo” é uma das imagens, que considero, mais lindas do poema. Lembra-me os portões das históricas cidades muradas ou dos castelos medievais com seus portões-pontes (pontes levadiças) fazendo separação entre quem podia ou não entrar. 

Esses versos recordam-me ainda a passagem Bíblica em que o muro de Jericó veio abaixo (bem como, mais recentemente, o caso do muro de Berlim), em um contexto em que a cidade estivera “rigorosamente fechada”, & que, portanto, “ninguém saía nem entrava.” Quantos de nós como o eu do poema, em determinados momentos, nos vemos excluídos (na prática, do lado de fora das boas oportunidades; e não quero falar aqui de dinheiro, mas em se sentir do lado de fora “da vida em abundância”)? Mas quero lembrar-vos que a reviravolta é possível.

“sapateio nas memórias” traz três palavras & muitos possíveis sentidos (cutucado por esses versos, quero mencionar que cogito a possibilidade de escrever um livro sobre poética, semântica e estilística). Notemos, por exemplo, que o poeta ao colocar as palavras no texto pode aplicar termos mais ligados aos sentimentos (saudade, indiferença, querida etc.) e lexias mais “visualizáveis” e “tangíveis” (carro, vidraça, portão...), bem como, palavras, combinações de impacto (estraçalhar, pancada seca, explosão, gritante) e outras categorias de sentido/efeito. “sapateio” é um exemplo de um termo que confere dinamismo ao verso, pois é uma ação e tem força visual (devido a apontar para uma lexia “visualizável” em seu radical: o termo sapato). Esse é um estímulo que pode induzir a imaginação do leitor a trabalhar: se sapateia em qual velocidade/ritmo o faz (flamenco, samba sapateado, rhythm jazz tap?)? O eu-poemático dança/ se movimenta em uma tentativa de se aquecer para fora do frio das memórias tristes (trying “to dance the tears away”) ou pelos passos da dança fica a REMOER dores passadas? Se usa sapatos qual a cor deles? 

Houve aperto e dores (e o passado se foi) e o eu-poético, como é natural do ser humano, parece buscar conforto e alegria: “de todos/ os passos em dia/ além capitulo a uma/ espécie de abraço”. Ademais, o poeta observador do que está em sua volta, com algum tipo de senso de humor finaliza o poema “aforismos em/ sachês de açúcar”. Este é um “flash”, registro de uma curiosa cena do cotidiano: as concisas frases contendo pensamentos presentes em determinada marca de açúcar; Nem tudo nesta vida é dor e amargura e nem toda doçura faz bem. É preciso tomar/ser a escolha certa.

* * *

*Weslley S S Costa é poeta, membro da Academia Vargem-grandense de Letras, componente de Acorde (Scortecci, 2011) e autor de Colham as roupas maduras do varal (Scortecci, 2014). 

terça-feira, 14 de abril de 2020

test(amento)emunho



Concluo
o coração está cheio de pensar

nas mãos parece imbricado
no arbusto invisível
fundos duma casa de taipa

para sempre lhe haverá
cobradores prontos a negar
rios de cólera e excretas
em cada homem de pé – em defesa
da base aliada sistema financeiro internacional
e do asteroide insano que não irá nos fritar

se deixo além de suspensões
é um mistério pela metade

Imagem de irenesanet editada por mim em PHOTOMOSH


deixei um teorema violento
e tonitruante a jean franko
e numa caixa
faltas fugindo do tiroteio
to bobby kendall

pela distância de um olhar bêbado
há gotas de dracena me indicando o nife

é possível que encontrem
um armarinho inteiro nas valas cavadas aqui
por esse descontente/indignado alfabetizado

no resto do tacho
me assombra a alegria pentelha
que desonra descontrola e acende
me estica os braços me põe na cama

finalmente
direi do planeta mais próximo
em mim tudo se fumou
sublime autocombustão

RIBEIRO, Sebastião. Glitch. São Paulo: Scortecci, 2017

segunda-feira, 30 de março de 2020

the wayfarer,... / o viajante,... [Stephen Crane]


Imagem de LoggaWiggler editada por mim em PHOTOMOSH


O viajante,
Avistando o caminho para a verdade,
Foi atingido pelo espanto.
O caminho foi tomado pelo mato.
"Ah", disse ele,
“Vejo que nada passa por aqui
há muito tempo."
Logo depois, viu que cada erva ali
Era uma lâmina peculiar.
"Bem", murmurou enfim,
"Sem dúvida, existem outros rumos."

***
The wayfarer,
Perceiving the pathway to truth,
Was struck with astonishment.
It was thickly grown with weeds.
“Ha,” he said,
“I see that none has passed here
“In a long time.”
Later he saw that each weed
Was a singular knife.
“Well,” he mumbled at last,
“Doubtless there are other roads.”


CRANE, Stephen. The wayfarer,... in War is kind. The Project Gutenberg, outubro de 2011. Disponível em: http://www.gutenberg.org/files/9870/9870-h/9870-h.htm


Conheça mais do autor aqui e here.

segunda-feira, 16 de março de 2020

fins*


Imagem de carloyuen editada por mim em photomosh.com


                                                                 para P.

Espelho em vista fosca
nossos ombros se desfazem
todas as sombras acenam adeus

o céu manchado de óleo me
renuncia mea-culpas coletadas
entre troncos no passado

fui arrancado de qualquer coisa
insuspeita no gesto-vinheta do
grito: 1⁄2 lamúria 1⁄2 crença

— essa biana na lonjura
leva bichos da água incauta
que não conhece adormecer


                                                                                (RIBEIRO, Sebastião. Memento. no prelo, 2020)


*esse e outros poemas podem ser lidos em Mallamargens - Revista de Poesia e Arte Contemporânea.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

pedágio


Imagem de skeeze, editada por mim no PHOTOMOSH


são dedos que na palma
ciscam, separam para o norte
o troco do tempo

– mar encoberto de gravidade
que cruzo em ritmo de náutilo

o que quer que me alcance
tem contorno de presa fácil,
destino em me ser quando
não mais serei e

avanço
até que’u me seja o
tudo que preciso no fim




                                                                          RIBEIRO, Sebastião. &. São Paulo: Scortecci, 2015

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

calopsia


Imagem de Horacio Lozada por Pixabay, modificada com PHOTOMOSH

o que somos nós hein

por dentro já quebrei os pratos
mas

escolhemos
o rosé evaporado em nossos olhos

esqueci das panarizes e do aluguel

preferimos duelar pela multidão
embora nosso peito esteja vazio

eu te vejo e me vem a vontade
de mastigar-me a cabeça
fugir deste teu abraço que

não sei se é
comercial de carro
ou plano de saúde

quando percebo que todos querem
ver nosso jogo de palavras
penso

(o caralho que vão)

pois aqui do lado
nessa vala brilhante
o esgoto desliza e delineia

o que não é o silêncio
o que nunca dirás
o que voltará como clichê
nalgum funeral

tudo se resumirá a

fuga

                                                                           RIBEIRO, Sebastião. &. São Paulo: Scortecci, 2015.

Licença Creative Commons
gaveta, galáxia by Sebastião Ribeiro is licensed under a Creative Commons Atribuição-Uso Não-Comercial-Não a obras derivadas 3.0 Unported License.