sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Cartas


Aonde e para que iremos além de nossas mãos que anseiam, além de nosso pés que precisam doer, além de nossos olhos que secam? Falando por mim, já estive bem aqui onde toda dúvida poderia ser respondida, nem à dúvida precisaria provar algo, o que alcunhamos e guardamos alegria se pode apalpar através do outro; muitas vezes posso a comer ou a cheirar, a Criação reserva sem dúvida dúvida alguma. 

É que nasci num mundo de virtualidades, motivo que me faz a maior parte da vida poeta. É em sentir falta e não alcançar muitas coisas que venho escrevendo, traçando, como já li certa vez, reinventando e não simplesmente reproduzindo, e como li ontem mesmo, meu instrumento de mudança no espaço, a línguagem, é possível de desconstruir a realidade que diz respeito a esse eu = 'pequeno sistema de incerteza', lembrando Marcello Sorrentino. 

Hoje recebi o exemplar que me seria enviado da Itália como prêmio por ter sido selecionado para a antologia do Concorso Internazionale Castello di Duino 2010. No pacote vieram o livro, com o sugestivo nome de Luce/Ombre (Luz/Sombras) e um DVD com a premiação ocorrida em março. Mas o que achei tão mimoso além de tudo que já tinha visto naquele pacote, foi a caligrafia de um dos organizadores, Ottavio Gruber. Num pedaço de papel com uns dados bancários (tive de enviar a taxa de postagem, pois a associação organizadora é filantrópica, mas enviarei a título de doação mesmo, a causa é boníssima), em letrinhas bonitas lia-se: 

have a nice lecture and hearing 
                             Ciao Ottavio

Nesse instante de admiração da caligrafia de Ottavio me lembrei que, quando cria que gostava de garotas, as tentava conquistar por cartas. Tinha meus 12, 13 anos. Naquele tempo não havia a difusão atual dos Orkuts, Twitters e MSN's da vida, e como sabemos, não faziam tanta falta quanto hoje fazem. Onde quero chegar? Próximo parágrafo.

Pensei em (re) lembrar os frios mau entendidos nas relações onde nos comunicamos com o outro por esses virtualismos. Não estou nem um pouco afim de entrar no mérito da questão do papel (higiênico?) social desses instrumentos comunicativos, que são claro sinal do Tempo e da tecnologia e tals... Que acontece é que mesmo o contato mano a mano abala-se meio a tanta ficção (e porque não ilusionismo?). Claro, tenho meus amigos, meus amantes, meus parentes, e é certo que em outros tempos eu ainda era um menino e podia me dar o luxo de ser energúmeno, porém sinto e vejo a diferença nos olhos alheios. Não nos tocamos, não nos sentamos, ao menos não nos referimos uns aos outros da mesma forma. Relativizando tudo, ao menos no de muito ou de pouco dito aqui posso (podes...) pensar em rever (reveres, perceberes...) a forma como interajo nessa bolha eu-tu-nós-eles. 

No manuscrito, além do prazer estético em simplesmente olhar uma caligrafia decente, havia certa emoção e alguma certeza da presença do emissor naquele instante. Até a despedida tornava-se mais pungente. Lembrei também de quando era pequeno revirando revistas velhas em casa, e via anúncios de cursos de caligrafia slogando ideias de "uma bela caligrafia ajuda a conquistar seu amor", etc's e tals. Aquele pequeno manuscrito de Ottavio Gruber me beliscou à mudança de tudo e minha pessoa é um grão de areia na massa de cimento do muro deste mundo... 

Lembrando aqui que não vim para reclamar nada e nem de nada, somente jogar uma reflexão e deixar um recado. Dois aliás: saindo rapidamente da meada, quem se interessar em conhecer o projeto que suporta o Concorso Internazionale Castello di Duino, pode encontrar mais informações aqui. E tentando voltar à meada, sugiro: 

1. Perigoso lidar com um poeta nesses tempos de Internet; 
2. Uma carta manuscrita (cartas digitadas, aff...) guarda mais verdade que aquela foto da balada que uploadeamos pro Facebook ou Orkut;
3. Vou parar por aqui, que este texto está meio canhestro;

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