dízimo*
carregando o sono da gata prenhe
talvez também a mudez do muar
que espera
venho chamar o tempo de todo homem
que já foi pavimentado
tempo que meus avós carregarão
por mais trinta anos & uns trocados
tempo perfumado de verme renascido
& florescente que passeia pelo jantar
venho chamar o fio de lua que orna
a palmeira velha na noite inevitável e
amarela
chamar meu lugar no centro dum nada
na existência de uma palavra
já passada pelo calcanhar duma cadela
venho solicitar minha presença em mais
que bandeja empoeirada
embora me saiba coado que já fui borra
venho através de qualquer atavismo
vigiar meu torrão imundo
cultivar meu resto de carreira como
o tanto primeiro que fui e não desejara
com dedos miúdos de alecrim
e face rosada sem protocolo agendado
venho coser minha estatura à vida
reconferir os cios/imbricar as razões
venho espelhado estender metade
de meus acasos na forma
de língua esquecida
perfazendo minha física
venho varrer a lógica que não precisei
equacioná-la à necessidade que não vi
deitar à porta morando no capacho
venho imenso e de fato existir
para que haja pedras na areia
carne nas raízes
permaneça chuva pronta
a dar sentido ao silêncio da nuvem
que homem algum esclarecerá
*dedicado a Antonio Diniz, in memoriam
(RIBEIRO, Sebastião. &. São Paulo: Scortecci, 2015)
[meu vô não carregará mais o 'tempo de todo homem que já foi pavimentado', mas este neto aqui deseja que ele tenha encontrado a paz que tanto queria nestes últimos anos. este poema fica como minha homenagem. esteja bem, vovô.]
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