domingo, 14 de fevereiro de 2010

Pelo dito hermetismo III ou Neste momento, o que é o poeta?

Ânsia.

Aventuras em países de névoa dourada e areias negras. Conjeturas nunca determinantes à serventia dos céticos, dos belos, dos estrangeiros, dos refugiados, etc. Aporias quase físicas que perseguem as noites. Seres cobertos de vontade, de formas, de braços e sexos, procurando absolutismos em Ungaretti ou Pound. E eles lamentam por estarem necessariamente longe para um convencimento afetivo. Entre os afluentes destes sinais e pontos esticados por alguma razão sibarítica e pouco social, se envolvem grandes haustos, que os elevam a um nível superficialmente poético. Guardar no esquecimento, lembrou Gullar. O caixão é um clichê. Esfarelar-se como uma flor, um corpo que já foi filosofado, é um clichê duas vezes maior. 

Ânsia.

Situado em todas as fugas possíveis, é dialogando intensa e permanentemente consigo mesmo que o texto hermético geralmente (ou intuitivamente) sela um conhecimento cheio do autor. Mesmo o eu-lírico é uma verdade virtual estofada de dúvidas físicas. Os feitiços esfíngicos de algumas combinações frásticas são algumas vezes considerados dentro do âmbito da literatura confessional. Isso é importante quanto ao fato de que a molécula experimental autor-texto-recepção nunca é estável. Geralmente boa literatura é o que se comporta fora deste ambiente. Mesmo Drummond guarda sutis hermetismos. Na coroa das sensibilidades destaca-se: é na revelação de algum sentido recôndito e descartável (em um primeiro momento) num texto que o homem estaciona na renovação de suas carcaças. Assim foi com Rimbaud, por exemplo. 

Falemos em Rimbaud, lembremos em carcaças. Cláudia Roquette-Pinto situa: o poeta é uma deformidade. Com a permissão da Instituição M.U.S.A., me reservo no potente direito de sugerir que o poeta é um exoesqueleto. E aos letárgicos deixamos o incluso direito de assimilar a troca de estruturas como quiserem. Aos que restam, eu digo: como parte da mudança, especialmente o poeta moderno/contemporâneo (definido assim monograficamente) enche-se de toda espécie do fluido temporal das tradições, mas assimila em seus objetivos e rotinas um desvio da poética óbvia exposta sociedade afora durante muitos períodos, de modo nada crítico ou desafiador. Cada poética e método, tema ou senda é aplicável às expectativas e formas gerais de sua época correspondente. Creditando consistentemente no valor histórico nossas intenções textuais (pois que sobra o Tempo a responder anseios de recepção), penso no silêncio desta sala e no digitar deste código compreensível porém não de todo acessível, e nos muros lá fora esperando nunca serem invadidos e nas avenidas esburacadas e nos bêbados e vândalos e estupros e lonjuras e crises e valores e incomunicabilidades persistentes nos pontos continuando e na classe das reticências e suas predileções pelos et coetera, enfim, o homem só quer se vestir de preto e calar-se. Assim fez Rimbaud, guardador de modernidades em sonhos (e o guardamos).

Talvez a expressão que não se propõe a prato principal, mas que nunca foi entrada, esteja sorrindo no domínio do pessoal, embora carregue testemunhos em estilicídio da individualidade na cultura ocidental. E assim continuamos a aquiescer e superar todas as formas, mesmo que elas não figurem numa razão. Entretanto, encaremos: aonde raios enforcaremos estes enigmas? Fato é que, seria pouco prático e fácil estendê-los na cabeceira... Persisto mesmo no escuro no valor em considerarmos estes pontos de vista, pois está no pequeno e doce sacrifício do decifrar o motivo de tantas conversões, alívios e reflorestamentos mentais. Muitas vezes, quando um texto, seja ele hermético ou esperado, está oferecido a alguém, digamos, comum, ele permite que seja aberto com todas as chaves possíveis, sejam elas do sentimento ou da razão; certo percebermos que uma coisa baseia a outra. 

O homem cultor da poesia e sua alvenaria, por trás e acima de tudo isso, entra e sai deste traçado como desesperado. Não resiste ao silêncio branco e à vontade de se mexer. Assim, é um histérico. Ou um fraco. E desprezando a quietude que habita em alguns seres, ele passa a ser um egoísta. Sendo assim, não se importaria de continuar a ser um baquista. Como tal poderia compartilhar alegrias e prazeres a muitos outros seres, passando a ser um desviado. Como desviado ele é livre. Como liberto de alguma coisa, ele pode abrir olhos, mesmo com enigmas, como a Esfinge que bem abriu caminhos ao Destino de Édipo. Aí, considerações à parte, muitos diriam que é um condicionador. Embora assim organizaria os ritos das coisas. Pensemos nele então como chefe. Sua palavra posta num nível algum degrau mais alto do que a de outro homem o faz uma espécie de sobrenatureza. Profeta ou vidente? Está ao lado de muitas coisas ou de todas. Sabe monismos, regulamenta existências, observa. É um ser propenso a Tudo, embora cada parte do Tudo conserve seu espaço. É um ser extenso. Por compactar verdades ou as buscas por essas verdades ou mesmo as verdades disponíveis ou as úteis, este homem carrega uma força além da palavra comum. Dentre padrões vários, ele segreda o Mundo de si mesmo às redondezas. Assim ele sofre por ainda permanecer um em vez de muitos. 

4 comentários:

  1. S:
    Seu texto já está na lista de publicações do Tema do Mês e seu nome já está na lista com o link de seu blog. Vai ao ar dia 28/02.
    Valeu mesmo!
    Abração e tudo de bom!

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  2. Eu nem preciso mais te parabenizar.Genial!
    ...agradeço por você nos oferecer um texto tão PROFUNDO.

    como citei em um dos meus poemas: Os poetas são seres incomparavéis(...)
    em outro eu digo que SER poeta é um defeito(...) e não ser é um maior ainda.

    um BRINDE aos POETAS!

    Abraço!!!

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  3. S:
    Sua poesia do Tema do Mês já foi postada. Muito boa!
    Valeu mesmo!
    Abraço, paz e ótima semana!

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