sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Someday I’ll Love Ocean Vuong / Um dia amarei Ocean Vuong [Ocean Vuong]


Beautiful photomechanical prints of Lotus Flowers (1887–1897) by Ogawa Kazumasa.


Ocean, não tenha medo.

O fim da estrada é tão distante

que ela já está atrás de nós.

Não se preocupe. Teu pai só é teu pai

até que um de vocês esqueça. Como a coluna

não se lembrará das asas

não importa quantas vezes nossos joelhos

beijem a calçada. Ocean, 

está escutando? A parte mais bonita

do teu corpo é onde quer que

a sombra da tua mãe pouse.

Aqui está a casa com a infância 

reduzida a um único fio vermelho.

Não se preocupe. Apenas o chame horizonte

& você nunca o alcançará.

Aqui está o hoje. Pule. Prometo que ele não é

um bote salva-vidas. Aqui está o homem

de braços abertos o suficiente para recolher

tua partida. & aqui o momento,

logo que as luzes apagam, e você ainda pode enxergar

a tocha que some entre as pernas dele.

Como você a usa de novo & de novo

para encontrar as próprias mãos.

Você pediu uma segunda chance

& e te deram uma boca para estuar.

Não tenha medo, o tiroteio

é apenas o som de pessoas

tentando viver um pouco mais 

& falhando. Ocean. Ocean,

levante. A parte mais bonita do teu corpo

é para onde ele se encaminha. & lembre-se,

solidão ainda é tempo que se passa

com o mundo. Aqui está

o quarto com todo a gente.

Os amigos que morreram passam

através de ti como o vento

pelos sinos. Aqui está uma mesa

com uma perna bamba & um tijolo

para fazê-la durar mais. Sim, aqui está um quarto

tão aconchegante e ligado ao sangue,

que eu juro, você acordará

& pensará que estas paredes

são pele.


(Versão em português de Sebastião Ribeiro)

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Someday I’ll Love Ocean Vuong


Ocean, don’t be afraid.

The end of the road is so far ahead

it is already behind us.

Don’t worry. Your father is only your father

until one of you forgets. Like how the spine

won’t remember its wings

no matter how many times our knees

kiss the pavement. Ocean,

are you listening? The most beautiful part

of your body is wherever

your mother’s shadow falls.

Here’s the house with childhood

whittled down to a single red tripwire.

Don’t worry. Just call it horizon

& you’ll never reach it.

Here’s today. Jump. I promise it’s not

a lifeboat. Here’s the man

whose arms are wide enough to gather

your leaving. & here the moment,

just after the lights go out, when you can still see

the faint torch between his legs.

How you use it again & again

to find your own hands.

You asked for a second chance

& are given a mouth to empty into.

Don’t be afraid, the gunfire

is only the sound of people

trying to live a little longer 

& failing. Ocean. Ocean,

get up. The most beautiful part of your body

is where it’s headed. & remember,

loneliness is still time spent

with the world. Here’s

the room with everyone in it.

Your dead friends passing

through you like wind

through a wind chime. Here’s a desk

with the gimp leg & a brick

to make it last. Yes, here’s a room

so warm & blood-close,

I swear, you will wake—

& mistake these walls

for skin.

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*Ocean Vuong (1988) é um premiado poeta, romancista e ensaísta vietnamita-americano. Sua obra é permeada pelos temas da sexualidade, família, autoaceitação, o ser imigrante e as gerações nascidas pós-Guerra do Vietnã. O poema acima faz parte de Night Sky with Exit Wounds (“Céu Noturno Crivado de Balas”), ganhador do Whiting Award de 2016 e do T. S. Eliot Prize, em 2017. Site do autor aqui.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

Outro


The Girl at the Window (1894) by Edvard Munch.

 

Até onde enxergo e toco 

sou o dia sem novas que 

dorme sem vontade em ser 

mais um de repente


entre moço e velho 

admito a cegueira, a mudez 

pus rédeas lassas na canção 

que paira os dias vis 


o perfume do fogo

hoje esqueci 


reencarnado ou reincidido 

ofereço o acaso que é o corpo 

ao excesso, à negação do início 


Bartebly 

no espelho 

murmura algo sem solução


Aqui 

me convenço da insistência 

ainda que perdido estava 

quando explicaram o ornitorrinco


como que levado pelo espaço 

me encontro reentrando em medo 

me dobrando numa fita de Möbius


como que levado pelo espaço 

insisto 

ainda que minguante 

em palavras tachadas 

                                   insisto



(in: RIBEIRO, Sebastião. Outro. Guaratinguetá - SP: Editora Penalux, 2022)

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

(im)preciso

 


É possível que a fruta no mercado

expresse mais que meus silogismos contados;

que a pedra satisfeita em sua ideia de simetria

entenda mais das poucas perfeições

e dos espelhos que as geram,

que eu,

certo de não existirem linhas tortas

para toda minha razão.


Os gnus, as raposas e os gafanhotos

confortam o correto peso de uma expectativa

que não me pertence mais,

uma vez que entendo de palavras

se achando moscas,

entendo de cores explodindo,

de anulações, de álcool,

mas, a respeito do que se deseja

(ou se precisa em forma de água doce

ou tubérculo – mais do que deseja

o gnu, a raposa, o gafanhoto)

me entendo feito o pasto

para um capim insistente.


in RIBEIRO, Sebastião. &. São Paulo: Scortecci, 2015


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