sábado, 23 de junho de 2012

servicinho de utilidade pública



Bittinglust, Oriebiro, 2012


Há quem guarde uma atitude, uma mágoa, uma canção, um grito, um desejo, um soco, um arroto. 
Eu guardo um poema, que é tudo isso também.

Enquanto não o percebo escorrendo pelos ouvidos ou dedos, qual o chorume deve, te/nos aconselho: 

- olhe para alguém que te atraia, pelo motivo que for, quem quer que seja;
- arme a situação perfeita em sua mente;
- permita que os perfumes, os gestos, as vozes ganhem consistência. 

Então


cometa um crime.





segunda-feira, 18 de junho de 2012

Rena Effendi

Rena Effendi: Liza's landlord Sima's bed. Sima is 22 and alcoholic. Osh, Kyrgyzstan. September, 2007

quarta-feira, 13 de junho de 2012

profundamente


Profundamente
Manuel Bandeira

Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Estrondos de bombas luzes de Bengala
Vozes, cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam, errantes

Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam 
Ao pé das fogueiras acesas?

- Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.

*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avó
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão eles?

- Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

e e e e e e e e



As palavras entrançadas neste instante parecem intrusas, enfiadas na tarde que foi feita para se comprazer em corpos outros; acontece que me sei poluído, desgastado, entortado por vozes, gestos, silêncios, olhares, mentiras na parede... fosse aquela ânsia tradicional, que tempera cada expectativa e valoriza cada ação que será esquecida, mas é coisa que embruma a vista e a certeza, rasura o ritmo da grafite deslizante e revela o quanto perdemos, ou o quanto outros ganham.

Claro, falo de poesia, e quero falar do problema (neste momento coletivo) mais intrigante para quem a valoriza ou não:  o que me diz, ou não, a poesia? Pra que serve, como faz, por que existe? Ainda existe por que existe perda de valores, de auto-consciência, de abertura. Quem a impede, tem sua razão. Mas é precipitado vê-la como mera distração. Mesmo quando entretém, re-circula no espírito do entregue o peso de ser humano, para o bem e para o mal. Parte do problema se chama, simplesmente, preconceito, ou ainda, falta de sensibilidade mascarada por teoria desperdiçada para fins fátuos. Isto é desrespeito e desserviço ao estudioso e ao artista.

No fundo, particularmente, me interessa uma poesia que chegue às mãos do leitor crítico e sensível à Arte, por mais que este caminho se encontre cheio de obstáculos há pelo menos 100 anos (Pound o diga...); sei que, por segurança, o poeta procura estar no mundo do alto estudo ao mesmo tempo que, consciente das diferenças de recepção, cisca algo no campo daqueles que não precisam deste estudo, estão satisfeitos em sua curiosidade, cheio de inteligência, mas que se afastam da arte da palavra por razões que considero de cunho socioeconômico, ainda, só que com uma pitada de ilusão acadêmica, que, SIM, admito, contamina a boa parte dos escritores, incluso eu.

Só queria em meio a estas palavras (vide também poema acima) meio desengonçadas jogar um pouco de luz sobre a beleza simples e por vezes incomunicável de todo tipo de poesia, onde quer que esteja. E que vejo as pessoas se fecharam tanto em si mesmas, aos outros, que, embora não lhes tire motivos, pediria que relativizassem, e dessem chances à intuição, ao diálogo, à sutileza de certos gestos e palavras; embora certamente piegas e clicherento, creio piamente neste discurso: a vida (sumo de qualquer verso), meus senhores, é curta, bela e expressável.

[inspirado pela redescoberta de Bandeira, ontem, numa aula de Literatura Brasileira...]


domingo, 10 de junho de 2012

coming soon



Em favor de minha descoordenação natural e fuga da realidade acadêmica, este post é uma invenção dum domingo que precede uma daquelas semanas que te chamam a não esquecer os meandros necessários àquela, um dia possível, Liberdade. Ou seja, embora existam pragmatismos a absorver, estou aqui, de pernas moles, descrevendo possíveis leituras a um compaixonado, para poder trazer a esta para-realidade, realidades, que aguardam numa gaveta (pode chamar também de sistema de arquivos) o dia de se fazerem notícia pública: O PRIMEIRO LIVRO (DE VERDADE) DE SEBASTIÃO RIBEIRO.

Já comentei algo aqui sobre a história que vai desembocar em, no máximo 1 ano, em meu primeiro livro 4real. A diferença é que, apesar de vestido numa camisa que todos aprovam, estes poemas usam moicanos. O livro que virá é diferente, único, e por isso me convenceu a ser o primeiro, porque é uma obra como projeto. Atenção e ampliação de seus sentidos por parte do leitor são irremediavelmente necessárias, pois assumo há algum tempo a postura de quem não indica a poesia-água-com-açúcar para diabéticos. Tipo, "- Ei, o mundo é hoje e isto aqui, eu sou poeta, você não parece ser um, mas talvez seja. Por que não se permitir?" or something like that. 

Em favor de minha descoordenação natural e assumir minha sub e íntima celebridade sob lençóis encardidos, gostaria de dizer que esta obra existente, apesar de, como a maior parte da obras neste sistema, está aberta à interpretações, há um algo a ser dito sobre: é fruto de pessoalidade, sim; mas carrega uma conexão com o mundo tal, que nega o cliché antecipado da palavra bonita do poeta-princesa (aquele que fica na torre mais alta do castelo protegida pelo dragão, esperando o Prince Charmant...). É como se levasse trabalho pra casa, ou estresse para a cama, mas, diluindo-se isto em palavras, num gênero aperitivo depois do jantar (vide Carlos Felipe Moisés - Poesia e Utopia), provável que isto não impedirá o leitor de apreciar com olhos menos saturados a realidade, das muriçocas que adoram seu corpo na hora do sono aos encostos de bancos de ônibus que adoram torcicolos.

Acrescento (este parágrafo é inspirado na possibilidade de ser impossível entrevistarem o rapazinho aqui a sério - MEU a sério) que nos primeiros poemas existe um intencional uso de surrealismos. Cri importante e necessário explorar isto em meus poemas, sem medo de parecer incrivelmente não-lido ou incompreendido - leia-se: hermético - em benefício da força de expressão e assunção da toca em que todo ser humano se encontra quando decide se esconder (não fugir, ok?) do que os olhos assumem a seco (rotinas, durezas, necessidades et coeteras). Entretanto, nos últimos poemas, óbvio se encontrarão traços de ilogismo (isso é poesia, né?), só que conjugados com uma contenção da impressão da realidade tal, que me percebo como fundamentalmente lógico no fazer poesia, isto se tomarmos conscientemente as devidas proporções.

Encerrando: este livro a sair é, essencialmente, um painel onde as diferenças de pensamento e percepção do mundo (e suas pequenas coisas que a priori não parecem parte dele) se fazem marcantes. É um livro sobre sensibilidade artística ricocheteando em janelas de vidro e olhos de concreto. É, também, sobre fardos que todos carregam, porém está claro que, quem resmunga seu peso aqui é isto que convencionamos alcunhar poeta. Mas, não esqueçamos, é um livro para todos, além da leitura ser algo suposto a ser democrático. É um livro que fala para quem pode escutá-lo. 

Vai encarar?

COMING SOON: cenas do próximo episódio...


segunda-feira, 4 de junho de 2012

cuspir ou escarrar


Apesar de estar num mood estranho para a coisa, decidi chorar um pouco sobre isto agora ou sabe-se lá quando; não me espero um post super argumentativo ou estilisticamente belo e longinquamente lírico, só gostaria de poder cuspir de vez em quando: ando a fuçar um poema aqui e ali, um comentário sobre o que fazem aquele ou um outro poetinha, e quanto mais perfuro, mais realizo que minha vontade é fugir daqui, mas antes, roer a corda que sustenta a poesia leve e fácil, mas, especialmente, o texto vestido em sete véus, coberto em perfumes e arabescos, ostentações góticas e art noveau... Uma poesia que não tem a ver com a pesquisa estÉtica do grande modernismo (ou dos grandes inconformados). Uma poesia que não se arrisca na bursite, no cheque especial, em tomar um ônibus bêbado. 

É extrema e absolutamente provável que meu discurso não tome contornos maiakóvskianos. Escrever é necessário, entretanto, quando excessivo, suicídio, se todo o povo ao seu redor não for pelo menos certa razão de tanta ânsia por expressão. Quando falo povo, falo do internamente famoso LÁ-FORA. Suicídio artístico se, não considerar a situação leitora neste Estado... 

- ADÉLIA ME AJUDE!!!!
- "AJUDO", DISSE ELA.

Certa vez assisti a uma entrevista com a direta Adélia Prado, em que dizia que, se pensasse no interesse de quem lê, nada poderia escrever. Concordo. Situação leitora aqui significa má preparação do espírito e da capacidade dos novos e nunca-leitores deste Espaço... Estes leitores que ainda veem a poesia como uma rima necessária às flores e amores de sempre... Leitores que ainda estranham Gullar no exílio, referências à inconstância humana em Bioque Mesito, poesia ciclo diegético em Domeneck... Isto é briga que meu molotovizinho não entra. E já que ataques nucleares ao problema seriam politicamente incorretos (f*ck the politics), digo que a mudança começa em cada gesto na consciência do leitor crítico, do poeta, da academia, da escola, da mídia, da cultura etc.

Vejo que não cabe a nenhuma das partes envolvidas ceder em totalidade, descer degraus. Falo em algo que Bioque Mesito inclusive me lembrou certa vez, falo de cantar seu tempo. Tradição? Originalidade? Herança? Etceteras? Tudo ressurge quando de olhos e ouvidos atentos, tanto da parte de quem lê, quando da de quem escreve. Poetar na língua do brasileiramente compreensível tchêrêtchêrêtchêtchê¹³²³¹²²? Não, claro. Falo de mudança de atitudes à conta-gotas (o estrago foi feito há tempos...) na maneira como a intelectualidade se disponibiliza ao leitor, vice-versa. 

Se fosse eloquente, discorreria longas páginas de nuvem sobre a função política da poesia, especialmente em momentos como estes (o sempre agora).  Moisés  já fez isto lindamente, além do já citado Domeneck, e de tantos outros... Me furto de tecer, neste instante, mais algum retalho, porque costumo guardar a minha tosquice a meus versos melados de indie music... E como poeta-antena, um sinal em HD exigiria atualização do software. Não sopro para o lado do discurso acadêmico, deixarei a alguém mais qualificado e (e Jesus permita) espirituoso a tarefa de traduzir este código chamado escrita como atitude. A complementar, penso que, além de cantar, viver seu tempo individual e coletivo demanda alguma catarse. Cada um tem a que merece... ou busca (ou acha), não é?

Em linhas tortas e gerais, daria meu exemplo: preparação, falar da vida. Escrever e ler na consciência de sermos pequenos e o planeta, lombada cósmica, onde alguns vírus fazem silenciosos o trabalho de metralhadoras. Ser natural, naturalmente. No sentido de que carros constantemente navalhem inocentes em sua velocidade;  no que o que chamam amor convide banalidade. No que se refere à perda e à assunção e fins eminentes. Não permitir que escorra o tempo do que faz diferença ao ser dito (e re-dito).

[e o meu livrinho está se coçando todinho o bichinho para brincar disto...]



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