sábado, 4 de novembro de 2017

rubrica


O poeta no bunker de seu poema
parte à África

O poeta que mudo escreve louco
permanece no canto de quarto
cheio da tarde

O poeta sem escolha no casaco velho do passado
O poeta no espelho e no conjunto residencial

O poeta sem unhas no desejo de
mastigar olhos escuros
O poeta na era cristã salivando meninos

O poeta sem poder ou coquetel molotov
possível ao couro da autoridade

O poeta na gaveta da meia-noite inteira
sem nada nos dedos
O poeta com medo de não ser convidado
O poeta que está nunca o sendo
O poeta cantando no último ônibus
O poeta e o corte social

O poeta azul na garrafa de vodka
cansaço e refrigerante
O poeta possível na sala mal-iluminada
O poeta crível no incandefluorescente
O poeta merecido ao escuro movediço
O poeta na trilha do boy que o deixou
em slow-mo

O poeta assim assado cheio de atos
sem afagos
pois acreditam-no empobrecido
pela ferrugem dos braços

O poeta sem nome em seu nome
em neon ciente
das pernas que passam
física existente no momento
que aceitou-lhe um banco da praça


O poeta e a arte clássica do encobrir
testemunha o que fornica em teoria
O poeta em fins sem inteligência
possível em sua ausência

O poeta escroto quando pelas nove ainda
é um homem
O poeta moderno na feira sem quadro de giz
que se vira ao passarinho que diz ‘ei, você’

O poeta e a luta de clavas
O poeta e a esperança da morte natural
& sua ânfora de anáforas necessária
– não mais trocadilho de merda ou eco gratuito

O poeta e o piegas
a série cômica
a novidade
a semana passada

O poeta no futuro cheio de tudo que já é
O poeta e o silêncio que todos esperavam
O poeta e o que gostaria de pôr entre os lábios

O poeta na calçada
e o nada metafórico
que ali o respondia
O poeta e o modo de usar
dos dentes permitidos
O poeta e o anti-histamínico
quando da volta do açougue
atrás dum cão conhecido

O poeta e a mosca presa de repente
no ar-condicionado
Subitamente
o poeta e o que lhe interessa:
a fase fálica/oral

O poeta e a falta dele
(a falta dele) e do método monográfico
O poeta na fuga de Descartes menino
rumo às macieiras
O poeta e sua falta de mãos espalmadas
caminhos de percevejo
e inseto branco voador não-identificado

O poeta escondido-calado-criado
num lago entrevisto de girinos e diáfanos
O poeta para tanto
o bastante
o contudo
ele poeta ≤ ele poeta

O poeta em cento e vinte possíveis
versos prolixos

O poeta é a senhora de pernas tortas
vivendo a lição que ressurreição alguma trouxe.

                                                
(in RIBEIRO, Sebastião. &. São Paulo: Scortecci, 2015)

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