domingo, 20 de dezembro de 2015

rip antonio diniz


dízimo*

carregando o sono da gata prenhe
talvez também a mudez do muar
que espera
venho chamar o tempo de todo homem
que já foi pavimentado
tempo que meus avós carregarão
por mais trinta anos & uns trocados
tempo perfumado de verme renascido
& florescente que passeia pelo jantar

venho chamar o fio de lua que orna
a palmeira velha na noite inevitável e
amarela
chamar meu lugar no centro dum nada
na existência de uma palavra
já passada pelo calcanhar duma cadela

venho solicitar minha presença em mais
que bandeja empoeirada
embora me saiba coado que já fui borra
venho através de qualquer atavismo
vigiar meu torrão imundo
cultivar meu resto de carreira como
o tanto primeiro que fui e não desejara
com dedos miúdos de alecrim
e face rosada sem protocolo agendado

venho coser minha estatura à vida
reconferir os cios/imbricar as razões
venho espelhado estender metade
de meus acasos na forma
de língua esquecida
perfazendo minha física

venho varrer a lógica que não precisei
equacioná-la à necessidade que não vi
deitar à porta morando no capacho
venho imenso e de fato existir
para que haja pedras na areia
carne nas raízes

permaneça chuva pronta
a dar sentido ao silêncio da nuvem
que homem algum esclarecerá

*dedicado a Antonio Diniz, in memoriam

(RIBEIRO, Sebastião. &. São Paulo: Scortecci, 2015)

[meu vô não carregará mais o 'tempo de todo homem que já foi pavimentado', mas este neto aqui deseja que ele tenha encontrado a paz que tanto queria nestes últimos anos. este poema fica como minha homenagem. esteja bem, vovô.]



sábado, 12 de dezembro de 2015

o fim (ou 'Ali havia um cavalo e foi ele que escreveu este post')


desconfio todos os caminhos levados de perda invisível, formatados frente à busca, porque parece que toda coisa que precisa de vida surge de um eu partido, o destino seccionado, porto de mistérios que chamuscam até a ponta das forças

Ali havia um cavalo pensando no fim do tudo. Oriebiro, dez 2015, com a ferramenta Rutt-Etra-Izer

preciso de olhos novos além deste vício em recorrer aos arquivos de outras vidas -- incluso as futuras -- no passeio por certezas vãs. para que vamos para onde estamos? aqui fosse um jogo com cartas, a derrota seria palpável


quinta-feira, 5 de novembro de 2015

domingo, 18 de outubro de 2015

idempotência




pessoas são palavras cansadas 
precisamos de mais cachorros 
mãos os elos mais fracos 
te ver é um exercício de fome 
aquele que me acha está fadado 
na fuga encelada


sábado, 5 de setembro de 2015

sábado, 8 de agosto de 2015

nada



e você contido em minha sozinhez não percebe do que sou feito não aparta nem espera que eu te diga como um segredo: se me conhecer melhor que eu não ficarás aqui

sonhos com partes falsas, papéis invertidos... você vezenquando coaduna e coadjuva quando me lembra de amores ou de coxas tesas... me quer mais que a mim enquanto sou peça única que não pode se dizer feliz

não há proveito em violar esta rosa em busca da sobra  -- o perfume não-quisto. desista. sou um portal tridimensional de algum filme vazio: meus caminhos, eu indico


sexta-feira, 31 de julho de 2015

civilidades/ a beleza/ ciranda




Queridxs, desejo compartilhar com vocês algumas de minhas últimas produções (inéditas) -- estão no Caderno-revista 7faces, edição nº 11. Para ler ou baixar o caderno, clique AQUI. Curtam!


domingo, 26 de julho de 2015

busca ou achado



projeto essas quedas no espelho parte de meu rosto se acende quando me amo os olhos vitrificados nem se fossem cristais teria eu a resposta necessária aquela que me conta a vida no resultado do vdrl disposto ao modo de cartas de tarô

sabem meu nome sabem meu gosto me querem mais do que eu


terça-feira, 14 de julho de 2015

κάϑαρσις



[das palmas, escamas brancas: fáceis deslizes mortos na perda   leve-as opostas às vias da queda já que me amo torto e te vejo fio   pênsil motivo no grão que me há e ressurge cego me lambe o olho   só quero minhas linhas de novo mantenha os papéis e nos ouça   colher a falta tocar tambores]

Catarse. Oriebiro

fosse um vício seria desejo fosse desejo seria obsessão fosse obsessão seria fome fosse fome seria ânsia fosse ânsia seria insônia fosse insônia seria noite fosse noite seria onda fosse onda seria lonjura fosse lonjura seria espuma fosse espuma seria fervura fosse fervura seria vibração fosse vibração seria música fosse música seria descoberta fosse descoberta estaria morta


rip susumu yokota

sexta-feira, 26 de junho de 2015

constituição


o encanto sozinho está nos outros meninos, não mais nesse...


constituição

o encanto sozinho
aqui dormido
saltou dos olhos antes
que pudesse sorrir

no fim dos dedos, precipício:
cantar não ajudou o amargor de
meu sangue tornado estranho vinho
mas me fez enxergar o dito:

teus conselhos me voam
me fizeram
vespeiro vazio

ainda que exista ordem na biologia
do cético surgir do clímax
da aflita corrida das formigas
sou fruto de terra em espera no caos

a chance orgulhosa de esquecer o pecado
& morto enfim quando neguei os heróis


(RIBEIRO, Sebastião. &. São Paulo: Scortecci, 2015)


sábado, 6 de junho de 2015

junho


com sorte terás sorte terás amor terás sucesso terás terás o ouvido e o olho do mundo te calcando de beijos e fazendo dourado pronto e ofertado como mártir pela fé no shopping center e da beleza de pedra esquecida na câmera do celular com sorte com sorte baby jesus will be back e poderás perguntá-lo o que fazer com os 360 meses que faltam para quitar o apartamento e por que o doce feroz de um sentido desconhecido não te pousou a vida provável que o que nunca foi um profeta como eu te entregue um espelho e fuja tonitruante e triunfal na última cena de um filme pelo qual alguém ganhou um oscar e saia desesperado em sua ferrari 612 scaglietti na infinita highway deste mundo após este mundo sumindo na curva onde david bowman sentiu o gosto de seu fim

sexta-feira, 8 de maio de 2015

translação



por vinte e sete anos carrego esse globo de vidro ou quartzo que me nega o devir. ainda que abismal e estrelado, dentro de mim o globo gira. diria que é na verdade um planeta que deixa seus continentes caírem assim que vira sua face a um sol. diria que, ainda que negro, habitado por serpentes, irrigado por veias de fúria, vida surgiu. ainda que nele ninguém exista a gritar seus deuses, o tempo passa.

 from 2001: A Space Odyssey

vezenquando o globo guarda em espera a chama eterna que o fará microscópico. mas enquanto arde a chama, um galho adoecido se importa em surgir e inventa uma flor que nada sabe de latrocínios. ou imposto de renda. uma brisa em pensamento se esquece e qualquer coisa vibra sem aparecer, como sinais de rádio. já poderia ser dia nesse lugar confuso que ignora e recebe entendimentos de podres coitados -- perdidos, numa rocha molhada e grávida de anseios.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

polaroid do espelho


tonto. um dia te viraram a cabeça e te fizeram bobo. tonto. talvez não sejas. tonto. eles é que não conseguem escutar o fino deboche. eles não conseguem segurar o coração que escorre pela manga da camisa. tonto. seria a química imposta do pão branco e do óleo de soja? seria a falta de algum elemento aos anos onívoros? quem morreu e te fez rei? tonto. talvez a mão tremente. talvez o sorriso quebrado. talvez o olhar 'tome no cu' que te guarda de um jeito que nem a mãe conseguiu. mas eles ainda te vêm assim. tonto. morno. fácil. pífio. talvez a mente sóbria é que te invente essas coisas. provável. o que pensam de você = não é seu problema. truísmo, fato. mas o espelho não te nega. os óculos sempre tortos também. planos bem certinhos guardados em algum sovaco bem intencionado já não te prendem. fujamos. quebremos. atiremos. mas mas. portanto concluímos. tonto. te sobras seres tonto. é o mundo que gira e foge ao teu soco. é este espaço de coisas novas que nada te contam. nada te apaixona. para um jardim vertical és bastante bailarino. o vento não te esquece. tonto. 



segunda-feira, 9 de março de 2015

'&', segundo Igor Pablo Dutra e Wesley Costa



Em finais de março pretendo divulgar data e local do lançamento de meu livro '&'. Até lá, venho mostrando uma coisa aqui outra lá, como o poema 'dos processos' e um dos textos introdutórios à obra, escrito pelo poeta e amigo Bioque Mesito. Hoje quero divulgar também os outros dois textos, um de Igor Pablo Dutra e outro, de Wesley Costa, ambos companheiros de 'Acorde'... 

Enjoy them!

***
& Além 

Sebastião Ribeiro será considerado uma surpresa, apenas para quem ainda não teve o prazer de conhecê-lo. Para quem conviveu e convive, leu e lê, não será, há muito ele é mais que um talento que amadurece a cada viagem nos coletivos da vida. Um Homem que sabe de si (?), de sua arte, de sua força, de seu verbo. Um homem que tem a poesia em cada gaveta de seus dentes. 

A poesia de Sebastião tem seu encanto nas ‘esfinges’, ele desafia o leitor a caminhar com ele, lado a lado, passageiros da vida. O título do livro revela, em princípio, o mesmo enigma que sempre circunda a boa poesia, em minha visão, o acréscimo de cada verso e cada poema vai estabelecendo a existência/essência do poeta, e também, me mostra certa veia de escárnio. Um aprofundamento na obra -&- necessita de muito mais parágrafos e páginas que não poderei aqui. Fazer uma seleção e classificação de poemas seria eleger o erro, me resguardo desses equívocos, apesar da necessidade de dentear alguns, os quais, teço comentário abaixo. 

Em Mote, poema que abre o livro, a justificativa do ser poeta: “hoje/  é todos os espaços contornáveis preenchidos/ por dúvida”. O poeta manifesta suas incertezas hodiernas, seus vazios angustiantes e intemperáveis. Destaco ainda, a competência criadora do retalho de versos que vão desestabilizando os sentidos buscados pelo leitor. Isso, ocasionado pelos cortes sintáticos, que podem ser os próprios fragmentos do poeta. 

Em Provisório, nota-se a envergadura questionadora do labor poético: “gritos tenho alguns e mesmo que/ cheguem até o outro lado da matéria/ pouco dirão”. A poesia se justifica para quem? Esses gritos são a força motriz do poeta, que necessita expandir, mas, para onde? Não seria essa a luta vã? A quem destinar-se, é um segredo que pouco se sabe. O poeta demonstra sua imprecisão quanto ao que o homem quer encontrar, entretanto ele reconhece em seguida, o quem ele é, o quem somos, “sim/ o homem é a fruta podre que nutre/ a árvore sob o sol desfigurante”. 

O poeta profundamente inquieto, não poupa a inutilidade de muitos mundos, outros poemas deixam à mostra as cicatrizes invisíveis dele: “são dedos que na palma/ ciscam, separam para o norte/ o troco do tempo” ou os desejos corriqueiros e cavalares “cambiamos/ estações/ enforcamos/ sonos/ e neste corte na rocha/  buscamos um amor e prêmios/  de loteria” e ainda o afago que a poesia dá a nossa própria nulidade: “pego torcido e dito:/ cumprirás cada falta / em ti possível”. 

Iço o fim deste texto com as lindas palavras de Atavismo, na demonstração do não abatimento diante das circunstâncias do Ser Artista – “enquanto vibrar um desejo/  haverá dor & canto”. Esperemos pelos próximos brindes! 

   Igor Pablo Dutra*

* Poeta (participante de Acorde (Scortecci, 2011; com Sebastião Ribeiro e Wesley Costa) e professor de Literatura, formado pela Universidade Estadual do Maranhão

***

“Humano”

“&” de Sebastião Ribeiro situa-nos em um quarto: “é todos os espaços contornáveis preenchidos /por dúvida /é os móveis arborescidos no quarto /ocultando o fruto em cuja casca de vidro /me enxergo”. Talvez em um quintal onde o hábil escritor, ou/& seu eu-poemático parece perecer em sua situação de humano e sua existência em meio a ônibus cheios e cabeça lotada de dúvidas e certa melancolia que é passageira constante ao longo da obra. Mas ele reserva ainda espaços para alguma ternura e momentos singelos: “me abro /ao espetáculo /ao só solamente/ solizinho /pacto de viagem”. 

É notável o talento do escritor em propor densas imagens-ideias: “os móveis arborescidos no quarto”, “você abriu todas as portas/onde não deveria haver nenhuma”, “O poeta com medo de não ser convidado/ O poeta que está nunca o sendo”, “dá bom dia/e esbarra no vidro/de cada sorriso”, “Ouço a nota escura de um trombone”, “me via como uma lágrima/que tropeça”, “no ribeiro lutulento” (não haveria nesse verso algum murmúrio-pendor autobiográfico como possa sugerir seu próprio nome?). Prossegue o Sr. Ribeiro ou sua voz de poeta a observar a viagem e seus vários passageiros “a gente perde o trem/ das grandes coisas / quando não se cala:”. 

E volto a falar a respeito de “&” com a consciência de que as minhas palavras não medem a “proporção de sentido” do livro, pois não se trata de meramente enunciar que “&” está vestido em um terno e possui um sorriso melancólico (seria superficial assim proceder). Sei e declaro com franqueza que a obra contém mais que isso, porque é mais do que isso. Todavia, por enquanto limitar-me-ei em enfatizar esse “eu” dos/nos poemas que expõe muitas vezes a fragilidade do ser humano e sua estadia neste mundo em meio a tanta poeira e temporal. 

Weslley Costa*

*Escritor, participante de Acorde (Scortecci, 2011), juntamente com Igor-Pablo e Sebastião Ribeiro. Autor de Colham as Roupas Maduras do Varal (Scortecci, 2012). 

***




famélia (ou do que foi feito o laço)


todos reunidos mas como se deixados na mesa do jantar. o gesto que flutua no andar de pratos soprar de colheres não contenta o desejo por premonição que aguenta firme dentro de cada um deles. quem conhecerá uma queda quem começará de novo quem não suportará tantos ciclos quem denunciará a verdade. se entreolham se encostam se acomodam. um deles pede em nome de cristo uma paz bem feita ao modo do alimento que miram. Deus tem ouvidos derretidos. o pedido voa mas cede no ar ao peso de uma bala. o que havia ali, promessas, farsas, desconhecimentos, amor e derivados, vacila. tanto cuidado parece que foi colocado naqueles laços que agora vemos se arrastarem, se perderem numa distância.


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

quemsoueudondevimprondevou



Espero que, se você encontrou este post, aproveite a entrevista cremosa que fizeram comigo para o blog do Portal do Escritor, da editora Scortecci. Clique aqui para lê-la. 

Beijos.

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

dos processos (poema de '&')


o que procuras pra onde vais o que serás, jumentinho?
***
dos processos

do dia de hoje
a marca duma manhã antiga
a falta que me conhece toda trilha
antes do passo assíduo de quem posso ter sido
antes de me conformar nesse corpo-mim

do dia em qualquer parte
a missão?
meu ritmo de burra prenhe fuçando lixo
não me deseja sentido
nem permite que nasça lógica numa perda

missão?
apanhar dez por cento de aumento
como a mosca de sorte sobre o gato vazio

do dia furado
o sono preciso
que plastifica minha sombra medrosa
feita de partes que piso e ainda assim voam

que diria um de meus pais perdidos
da fuga que não conheceram?

sobro em processo ciclo ou inferno
sobro do velho ou do inseto

me sobro no invento de outro labor
que não o do orgasmo perfunctório
de meus dias internos gastos e letais

(RIBEIRO, Sebastião. &São Paulo: Scortecci, 2015, pg. 100)

***

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Rapel ou os dados de Deus (por Bioque Mesito)


A seguir: o primeiro texto de apresentação de meu livro &, que está no prelo e será lançado neste trimestre (data e local a confirmar). Tive a grande oportunidade e o consequente prazer em conhecer o poeta Bioque Mesito há 4 anos e acabar, inclusive, me tornando amigo do Fábio Henrique Gomes Brito também :-D De qualquer modo fiquei muito satisfeito com a colaboração e quero compartilhá-la com vocês. 

*

RAPEL OU OS DADOS DE DEUS


& daí se a vida fosse apenas a vida dentro de um livro de poesia? A obra de um poeta é sempre uma incógnita. Muitos preferem romances de mil e poucas páginas ou crônicas que falam do cara mijando pela manhã e comendo a mulher no final da noite (mera obviedade, infelizmente). Eu prefiro a poesia. Minha predileção é por bons livros de poesia.

Sebastião Ribeiro, em pleno século vinte e um, presenteia-nos com um livro de poesia. Que loucura! No mundo de modismos, de novas tecnologias, de pensamentos zen-isso ou aquilo, de padrões estéticos… Ele nos apresenta um livro de poesia. Sua estreia.

Talvez, por eu ser um misantropo assumido e goste de excentricidades, atento-me para os livros. Um livro de poesia é um cosmo de orgasmos. A música que toca dentro de um livro de poesia, o perfume, a simetria, a vida e tudo que se possa imaginar são indescritíveis.

Tudo vem deste & (livro espaçonave, bálsamo, canto, silêncio, pausa, grito), livro de estreia do poeta Sebastião Ribeiro. Se por acaso, mas só por um momento, acharem que estou exagerando, então abram as páginas iniciais deste.

É como uma revoada de pássaros, um monte de beleza e delírio, um som que quer explodir. Invenções fora do padrão, uma missa orgástica, a cruz dos dias que passamos parados no quarto escuro & a saída para tudo isso.

No poema Provisório, começa a confissão de suas sensatas e belas inquietudes: “o poema consome parte do tempo que me faria pegar um lotado menos cheio / o poema consome o homem abatido / queimando seu espírito fora do prazo de validade”.   

Até nas metalinguagens, Sebastião Ribeiro não derrapa. Digo isso, pois, o estilo já fora muito rebuscado e é sempre bom que se encontre outras saídas. Apesar de que em poesia tudo ou nada cabe. O poema Rubrica é um deboche/ode não simplória aos vates:

(...) 
O poeta na gaveta da meia-noite inteira
sem nada nos dedos
O poeta com medo de não ser convidado
O poeta que está nunca o sendo
O poeta cantando no último ônibus
O poeta e o corte social 

O poeta azul na garrafa de vodka
cansaço e refrigerante
O poeta possível na sala mal-iluminada
O poeta crível no incandefluorescente
O poeta merecido ao escuro movediço
O poeta na trilha do boy que o deixou
em slow-mo

(...) 
O poeta na calçada
e o nada metafórico
que ali o respondia
O poeta e o modo de usar
dos dentes permitidos
O poeta e o anti-histamínico
quando da volta do açougue
atrás dum cão conhecido

(...) 
O poeta é a senhora de pernas tortas
vivendo a lição que ressurreição alguma trouxe.

O ritmo quebrado de Sebastião Ribeiro é fantástico. É na imperfeição que se encontra a poesia. Versos belos, palavras belas, contextos belos fujam de nós pelo amor do divino. Estamos falando de poesia e não de buquê de flores. A feiura, o distorcido, a assimetria, a discordância dos moldes prontos é a mais pura poesia. Então, quando Sebastião Ribeiro quebra o ritmo, o faz da forma mais simples e consciente possível. Não tem medo de ousar, conferir palavras está fora de cogitação em suas crias. Ainda bem.

& tem o espírito de um jovem com cabeça de quarenta e poucos. Pois, destila poesia vinda de um ainda menino de vinte e poucos, mas com os pés e as mãos livres para dar continuidade a um projeto de vida, que é a sua poesia. 

O seu livro de estreia não poderia ser mais bem arquitetado. Tem conhecimento, vida, tesão, (des)esperança, tem poesia. É um primeiro livro, mas não é qualquer um. Tem pontuação. Quem abre e lê o & está pisando em uma rota de gratidão. 

Neste livro, os poemas que se destacam, segundo o nosso olhar, são: Ninho, Balancete, Matricídio, Pedágio, 28.12.2011, quarta-feira, 11:31, Contumaz réquiem dos vivos, Mula, Meio expediente, Este lado para cima, Dízimo, Homofobia, O que fazem as mariposas quando chove, Calopsia, Ritmo, Fast forward e Futuro: curto-circuito.

Porém, o suprassumo do livro, o que mais desperta para um caminho de grandeza literária são três poemas: Mote (& foi-se o tempo dos épicos / &  foi-se em seu inverso-interior aluminado o meu tempo / hoje é a luz receitando meus olhos/ hoje é todos os espaços contornáveis preenchidos por dúvida); Inevitáveis fotogramas na mente de uma ave de granja (dia / teu único olho / a boca me despe / 32 fouettés en tournant / na casa escura / eternos // inventas algo de frio / tamborilas um crânio que pende / num corpo de espuma) e o mais profundo e apaziguador poema de todos do livro: Voltas:

i.

5 da manhã
copo d’água ou banho frio
quem se apropria de quem

eu sou Macabéa
com alguma esperança

ii.

na única vez que criança
fui à praia
o que se afogou
persiste túmido mas eclipse
de um mistério habitante
desses que se vê
no olhar do motorista das 5 30

antes
sentir falta da areia
dormir em caravelas

agora há vazio
no imóvel que não tenho
na calvinkleinjeans que não uso
na alegria suposta
em servir o Laboratório Jesus
embalando sua água sanitária

já poderia fingir
fingir a vida
eficaz e exata
(feito um copo d’água ou
um banho de madrugada)

se
pudesse sumir rio ou me
esconder salino
em Bengala ou Guiné
mas não

antes disso
é preciso a certidão
de meu estado roxo e suspenso
sob a lâmina derretida
do estuário qualquer

iii.

A ÚNICA ESPERANÇA que me ocorre
na cabeça de menino pedubó
habita este planeta-estrela à minha frente
enquanto banho no quintal
às 5 num meio de fevereiro

Agora é sonhar maquinalmente
e fingir fingir não saber dessa conversa
de água e morte até receber
meu soldo

**

Bioque Mesito é poeta, foi colaborador do Jornal Pequeno e seu suplemento literário Guesa Errante, participante/ integrante de importantes grupos literários maranhenses nas décadas de 90 e 2000. Autor de A Inconstante Órbita dos Extremos (Cone Sul, 2001- IV Prêmio Universitário de Literatura) e A Anticópia dos Placebos Existenciais (EdFunc, 2008 - Prêmio Sousandrade do 31° Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís).


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