sexta-feira, 26 de março de 2010

Aos amigos que não lerão isto ou Sebastião Ribeiro, O Órfico

O Relativo, afrouxado há séculos no Universo, parece ter perdido a máscara; em vez disso, também, deve ter encontrado um segundo em seu derramamento para lembrar a um pedaço de Cosmo como eu, que apesar dos clarividentes, dos astrólogos, dos astrônomos, dos matemáticos, dos ciganos, o Devir preencheu-se de cansaço a cada gesto balançante aqui em terra; os ossos não se importariam em voltar a um primórdio de Criação, caso o que sustentam percebesse que o instinto e sua Vida corporificada não passam de mecanismos, e que sua natureza é não precisar labutar fora disso.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Little folly

Antes que'u fuja da oportunidade de não ser ouvido, quero me lembrar da constância que brinca na não-relação entre o "que sempre será escrito" e o "que quase nunca é lido". Cai sobre minha cabeça (como tantos outros frutos sem história ou decisão no caminho da ciência) a consciência/sensação/certeza/quebranto de que enquanto se escreve, se vive. Vive, sim, na acepção maior da palavra em seu erro e má interpretação: não só mais aquele papo de que existe experiência, historicidade e tal no texto, mas sobre a fisiologia das coisas; da coisa que escreve e da coisa que é escrita; esta fingirá ser lida para que saia algum dia da angústia ou do cansaço, e se torne saturação ou esforço guardado numa galáxia a ser suposta...

Bem, segundo os desígnios divinos, a morada de madeira e esquecimento dos poemas não lidos e não escritos tem um destino; entretanto este fado é invólucro duma razão perdida e impalpável, que guarda o sucesso, a empatia ou o futuro (que muitos já o sabem como "o que nunca chega"). Este desígnio divino, porém não deve esperar minha morte, que seria um acerto, não fosse pela materialidade de tanta existência... Escrever sempre teve um gosto amargo.

Queridos, por mais que em breve derrame sorrisos num novo poema, cheio de vida, devo lembrar a todos a embriaguez que é o ato de desilusão. As palavras geralmente, por algum motivo, cansam... e especialmente, não nos convém alimentar esperanças sobre as boas intenções do poema saturado (pelo poeta); em estilicídio venho aprendendo a desenhar o que chamam de amor e tal... em busca do meu ser estar se tornando padrão-como-a-recepção, perco ainda mais vida em meio à tanta confusão. Talvez, em transformação em um ser padrão, eu não perca a tal da fé na vida. Seja o que o Senhor deixar...

sábado, 6 de março de 2010

Sem vergonha II

difícil cantar algo quando
se está de ossos quebrados
eufemismos não viverão por mim

escondem coisas de minha
juventude mal inspirada
desaprumam sentidos que não
deveriam se fundir
ao desígnio divino

chove chove chove
ele está lá fora aqui
leio florbela espanca

então nada eleito vai
chorar pirraças a um plano
mais alto com certeza
do que nós

e permanecem não nos guardando
como se a luz não ligasse mas
que alguém ligue que gosto
mesmo dos cachorros

não nos guardam

inventam concretos
espinhos mudanças sustentam
coroas com tudo que não
corresponde à pressa com
que o mundo constrói
o desejo de um jovem

não nomeio nem indico
quem porque já o sabem
o céu as pedras as árvores
a cama a loucura

espero como um mato
que não se cansa de nascer

não nos guardam

Sem vergonha

Deste pequeno enunciado
pouco se discute porque
nele não há tempo.
Existem homens cansados
que merecem discursos
adormecedores, prosas olímpicas,
partes gigantescas do mesmo nada
papel carbono/de pão da sempre
amanhecida razão.
Não vá pensar em parar aqui.
Estou necessariamente velho para
perder estrelas e caminhar lentamente
aonde não existam mais sentidos que
segurem minhas mãos.
Surpreendente é de fato
a descoberta que minha língua faz
às vezes e me desvio todo ou afino
como agulha quando apesar das
odisseias mortas e das montanhas além
dos sons dos monges ou em milagres
de gelo eu chego e canto ao
mundo inteiro que estou
de saco cheio e só queria amar.
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