domingo, 24 de janeiro de 2010

Pelo dito hermetismo II ou Il faut être absolument moderne

Vai saber se é o calor ou a água que não chega, vai saber se não é nada, mas o fato é que não tenho pra onde correr, desviar, fugir. Acabo estando aqui gotejando alguma mensagem para o mundo depois de fuçar algumas Iluminações (Iluminuras não deixam de ser). Me sinto um pouco desarmado embora esteja cheio de consciência de que sou um bom trabalho ideológico-cultural, sei dos meus domínios. Amigos, Iluminações é robusto exemplar da dita poesia hermética. Com a visão num forame, auscultei, cotejei e considerei um mundo inteiro ao discernimento para poder carregar menos cansado as mãos de Rimbaud.

Perdendo o ar e a decência do raciocínio, li algumas peças deste livro famoso por, segundo alguns, ser a primeira reunião de poemas em prosa da literatura francesa, mas acredito que os e as rimbaudetes quiseram dar conta deste recado. Enfim, mastigado por algumas palavras, como primeira consideração teço que, antes fossem somente palavras ou que nunca sejam consideradas somente palavras; tentarei explanar sucintamente sobre a natureza das Iluminações: poemas em prosa sim, porque pouco se propõem a ser prosa poética; depois você tenta saborear suas origens e assiste a uma espécie de teopsia; após perder o ar, pois é amante da poesia, considerá-las numa sugestão onírica provavelmente será uma saída. É isso. Chegamos ao ponto, ponto de sonho. Do alto púlpito de minha arrogância, não creio que Rimbaud saboreasse todos seus possíveis problemas de maneira comum. Ele, seja ou lenda ou desejo de todo o século XX e XXI, era cheio da verdade de que seja um poeta. Vomitando isto e meu café da manhã simbolista/decadentista, parto a afirmar que sua coragem revolveu os padrões dos seres poemáticos e sua idiossincrassia real, arabescada, fru-fru. Tanto foi quanto é, que as Iluminações são inacessíveis em qualquer possibilidade de digeri-las se a recepção não guardar aquele pouco de compaixão às ideias juvenis e soltas, a saber, a linguagem não-padrão (social, ideológico, cultural, linguageiro, os cambau!) da expectativa.

Como estou só na sala vazia, ninguém ouviu meu risinho sarcástico. Talvez eu nem rido tenha. Mas é fato que  em minha imaginação de coragem e proporções provincianas, Rimbaud deitou algumas pedras de fonte numa questão que levanto a bons tempos, especialmente quando o tempo em questão é cento e dezenove anos depois do falecimento deste pétit roi: o discurso poético. Hei, espera aí, não é assim, discurso poético e pronto. Refiro-me à origem, à nascente, ao zigoto, talvez antes disso, à toda energia e massa e fisicidades necessárias ao surgimento indubitável e considerável de qualquer coisa que se mova ou não neste chão terráqueo ou em qualquer quintal jupiteriano ou extra-solar. O ponto zero do discurso poético. Donde surge, como grita, porque explode. Rimbaud espirrou novamente aqui este questionamento. Noutro post, citei Leminski que disse certa vez, algo como : "A poesia foi feita pras coisas sem porquê. Pra que porquê?". Imagino que um mundo rimbaudiano num mundo basilarmente positivista e recém-revolucionado industrialmente, numa proposta sincera de viver en rêve, óbvio que imbuído de postura e ousadia, Rimbaud escreveu o que não deveria ser mais ser retomado por outro artista, mesmo com a tradição de que Elliot falava, porque se trata de uma beleza única e desconhecida, deliciosamente obscura porque dificilmente dialogará com vozes e mentes hodiernas. A lírica rimbaudiana é cheia dele mesmo, e suas sibilas chegam a ser amor a nós, pobres partes unidimensionais.

Após este momento de pretensão, organizo melhor as ideias (ah, tá, até parece que sou capaz...) quanto a questão da compreensão das mentes hodiernas...Bem, nosso imaginário contemporâneo, digamos, local, pouco discute até que ponto expressionismos linguageiros, irracionalismos e enigmas prezam pela boa poesia. Particularmente até diria que, antes alguns borrões na consciência do que a rotina. Em suma, sugiro que a recepção é pouco especializada ou entregue às maneiras herméticas. Entretanto, aonde vão parar os pequeninos poetas que ousam, ou que simplesmente soam em sua linguagem sem correspondências à primeira vista? Apesar das voltas, tenho um parco recado a deixar dentro da gaveta: como em certa canção de Rufus Wainwright, release your love. Libertemos nosso destino miúdo da fome que é a rotina! Esparrememos o amor, a tristeza, a raiva, a loucura de cada texto, mesmo que ao nosso próprio modo, mas destaquemos uma oportunidade para os textos menos convencionais. Certo que inverdades e contradições surgirão, mas isto é esperado da maioria dos processos. O poema, o bom poema, é uma mobilização de um eu-lírico, mais ainda que somente sua pura atividade. Mesmo entre barreiras e concreto, há na particularidade, e neste caso, na extravagância, no egocêntrismo, na imparidade, no supostamente indivisível, uma relação potente com a realidade e seu mundo-palco. Lembrando Adorno, por carregar algo de não modificado, de não cutucado do ser humano, um subjetivismo num poema carrega uma conexão com o universal. Existem possíveis vidas e visões, entes e deuses na confabulação e doação que é o poema, transmutação do que no mundo recusou-se a se calar. Como os bebês que choram.

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